Editora Ercolano publica tradução inédita do romance mais conhecido do romancista e poeta gay francês Jacques d’Adelswärd-Fersen (1880-1923): Lord Lyllian: missas negras (1905). Com seus excessos e deboches, o esteticismo decadentista permeia a intriga, que representa os escândalos vividos por Oscar Wilde (aqui com o nome mais ou menos transparente de Harold Skilde) e, menos de dez anos depois, pelo próprio Fersen.
Entre uma farra e outra, diversos personagens narram histórias encaixadas em diálogos cativantes, com sagacidade e ironia, conferindo dinâmica à narrativa. Em ordem não cronológica e de forma semelhante a cenas cinematográficas, os 23 capítulos abrangem alternadamente, com toda potência visual de descrições precisas o extenso espaço geográfico abarcado pelo romance, que se passa em Paris, Veneza, Londres, Escócia e Malta. Nele, os personagens podem ser facilmente identificados com pessoas reais que transitam entre o próprio meio aristocrático de origem, ocioso e artificial, e os bas-fonds do crime e da prostituição. O conjunto é representado por meio de tiradas irônicas, jogos de linguagem, em codificações de palavras e de gênero.
Mais próximo da autoficção que da autobiografia
O leitor reconhecerá em Lord Lyllian as experiências do próprio Fersen e, sobretudo, as polêmicas que marcaram a sua vida. O abusador e o abusado desempenham papel central no enredo, que gira em torno do lord escocês Renold Lyllian, jovem dotado de um charme estranho e perturbador, capaz de cativar homens e mulheres. Porém, precocemente órfão, sem parentes ou amigos, seus pais bem como seus antepassados são como fantasmas.
No ambiente melancólico e tedioso do castelo familiar, o garoto de quinze anos conhecerá o genial e polêmico escritor Harold Skilde. Após o encontro marcante, Skilde se torna uma espécie de amigo, preceptor, companheiro de viagem e, futuramente, amante para o garoto, através de uma relação abusiva. Juntos, ambos se entregam aos prazeres estéticos e embarcam numa viagem para a Grécia, sedentos de arte e vida, de fantasia e realidade. A extravagância e a genialidade de Skilde, que, de sua glória decai até as ruínas, marcam Lyllian e sua vida sexual, tão variada quanto fluida. Lyllian se interessa por mulheres e homens. Em suma, repleto de assuntos polêmicos que fazem parte do universo LGBTI+ e que ainda causam incômodo, Lord Lyllian aborda, sobretudo, a questão moral e legal.
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“Para mim, o amor tem dois adversários:
os preconceitos e o meu porteiro”
Oscar Wilde
(frase de capa da primeira edição de Lord Lyllian)
Na carta introdutória de Fersen ao romance, dirigida a certo juiz, é possível considerar Lord Lyllian como um acerto de contas literário entre o autor e o processo incorrido contra ele. Em 1903, Fersen foi processado por “incitação de menores à depravação”, tendo sido condenado a seis meses de cárcere sob acusação de ter promovido tableaux vivants com cenas de nus em suas festas extravagantes. A imprensa da época não tardou a associar tais eventos a “missas negras” (conforme se lê no subtítulo do livro) e a chamar seus participantes de frissonnières (algo que pode ser traduzido como “fricoteiras”, no feminino). Certas passagens do romance também permitem inferir que os acusadores de Fersen o culpavam pelos crimes que eles próprios cometiam. Assim, num olhar através da fechadura, repleto de ironias dirigidas aos hipócritas que Fersen considera como palafréns de uma moral burguesa que acusa terceiros dos crimes que ela própria comete, o leitor oscila entre o terror e o maravilhamento, entre o asco e a sedução diante desta obra prima do decadentismo, tão problemática quanto obscura.
Textos de apoio
Além da apresentação do romance pelo tradutor, Régis Mikail, a edição conta com um texto de Jean de Palacio, professor emérito da universidade Paris-Sorbonne e especialista em literatura decadentista, intitulado “Jacques d’Adelswärd-Fersen e a figura de Heliogábalo”. A edição traz, ainda, as inconfundíveis ilustrações de Aubrey Beardsley (1872-1898), um dos artistas mais emblemáticos do movimento, com seus desenhos que evocam um erotismo mórbido que conversa com o universo representado em Lord Lyllian.
O jurista Numa Praetorius, colaborador assíduo da revista Akademos, primeira publicação homossexual europeia fundada por Fersen, em uma resenha escrita em 1908, sintetiza o romance da seguinte maneira: “Altamente picante, perspicaz e com filosofices blasés e sofisticadas […], o livro revela um forte talento, propondo olhares interessantes sobre a psicologia de dândis decadentes, hiper cultos, conseguindo surtir efeito cativante na expressão e nos diálogos ao combinar o esprit parisiense com a maliciosa euforia de graciosa finesse tanto na expressão quanto nos diálogos.”
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FICHA TÉCNICA
TÍTULO: Lord Lyllian – missas negras
AUTOR: Jacques Fersen
TRADUÇÃO E APRESENTAÇÃO: Régis Mikail
POSFÁCIO: Jean de Palacio
PROJETO GRÁFICO: Estúdio Margem
FORMATO: 134x196mm
NÚMERO DE PÁGINAS: 296
PREÇO: R$ 116,00
ISBN: 978-65-85960-09-0
DATA DE LIVRARIA: 03/06/2024
EDITORA: Ercolano