Milhares de títulos vêm sendo removidos de escolas públicas por todos os Estados Unidos, a autodeclarada maior democracia do mundo.
Segundo a associação de escritores PEN America, cerca de 16.000 proibições de livros em escolas públicas em todo o país foram documentadas desde 2021, um número que não era visto desde o Macartismo, na década de 1950.
Os Estados Unidos têm um longo histórico de censura aos livros, na verdade. As obras de Toni Morrison, por exemplo, estão sempre presentes na lista anual da American Library Association (ALA) dos 10 livros mais contestados. Uma contestação não gera censura imediata, mas pode resultar na restrição ou remoção do acesso a um livro em uma escola, ou biblioteca pública. “O olho mais azul” apareceu várias vezes, em 2006, 2013, 2014 e 2020. ”Amada”, o romance de Morrison de 1987, vencedor do Prêmio Pulitzer, também está nas listas de 2006 e 2012. E, em meados da década de 1990, “Song of Solomon”, sem tradução para o Brasil, foi repetidamente contestado em distritos escolares do Colorado, Flórida e Geórgia por apresentar material “inadequado” e “explícito”.
Estudiosos dizem que um dos motivos pelos quais os livros de Morrison, em particular, são contestados é o fato de abordarem, sem pudor, momentos sombrios da história americana sobre os quais algumas pessoas podem se sentir desconfortáveis para falar.
A atual onda de caça aos livros e censura está sendo mobilizada por grupos conservadores e tem como alvo predominante livros com personagens não brancos, LGBTQIA+ e pertencentes a outras minorias.
“Essa censura direcionada equivale a um ataque perigoso contra populações historicamente marginalizadas e sub-representadas”, declarou Sabrina Baêta, gerente sênior do programa Liberdade de Leitura da PEN. “Quando esvaziamos as prateleiras de livros sobre determinados grupos, negamos o propósito do acervo de uma biblioteca, que deve refletir a vida de todas as pessoas”, completou.
No ano letivo de 2023-2024, a PEN America encontrou mais de 10.000 proibições de livros que afetaram diretamente mais de 4.000 títulos. Os livros mais proibidos incluem “Dezenove Minutos”, best-seller de Jodi Picoult e que aborda os momentos que antecedem um tiroteio em uma escola, e “Quem é você, Alasca?”, de John Green. Também integram a lista “O conto da aia”, de Margaret Atwood, e “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini.
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Já a American Library Association (ALA), registrou que só em 2024 mais de 2.452 títulos foram alvos de campanhas direcionadas para que fossem removidos das prateleiras de bibliotecas por todo o país. Esse número representa o terceiro maior já registrado pela entidade e está muito acima da média anual de 273 títulos contestados entre 2001 e 2020.
Em 2024, o livro que teve o maior número de ataques foi “Nem Todos os meninos são azuis”, de George M Johnson. Publicado no Brasil pela Editora Moinhos em 2022 e com tradução de Tom Jones, o livro é uma memória-manifesto de George M. Johnson, ativista negre LGBTQ+ e não-binárie. Jornalista por profissão, George explora por meio da memória a sua infância, adolescência e os seus anos de faculdade, narrando como foi crescer sob a dualidade de ser negre e queer.
Abaixo, conheça outros títulos infanto-juvenis que vêm sendo alvo de campanhas de censura nos Estados Unidos:
“Gênero Queer: Memórias”, Maia Kobabe, tradução Clara Rellstab. Tinta da China Brasil, 2023.
Premiada HQ que narra de modo sensível a transição de gênero de Maia Kobabe. Gênero queer abriu cabeças pelo mundo e se tornou símbolo da liberdade de expressão nos EUA: em 2021 e 2022, foi o título mais ameaçado por movimentos de banimento de livros em bibliotecas. Indicado para todos os leitores, o livro é reconhecido como um valioso e didático guia para famílias, educadores e interessados em geral compreenderem um dos debates mais desafiadores de nosso tempo. Publicado nos Estados Unidos em 2019, Gênero queer se filia à linhagem das grandes graphic novels de nossa época, como Maus, de Art Spiegelman, Persépolis, de Marjane Satrapi, e Fun Home, de Alison Bechdel.
“Melissa, anteriormente publicado como George”, Alex Gino, tradução de Regiane Winarski. Galera Junior, 2023.
O livro conta a emocionante e inspiradora história de uma menina que sabe quem ela é, mas as pessoas que a olham insistem em dizer o contrário. Vencedor do Children’s Stonewall Award e do Children’s Choice Book Award.
“A Day in the Life of Marlon Bundo”, Marlon Bundo. Chronicle Books LLC, 2018.
Ainda sem tradução para o português, apresenta um livro infantil sobre um coelhinho muito especial que se apaixona por outro coelhinho. Bundo é um coelho solitário que vive com seu avô Mike Pence, ex-vice-presidente dos Estados Unidos. Mas, em um Dia Muito Especial, a vida de Marlon muda para sempre. Com sua mensagem de tolerância e defesa dos direitos LGBTQ+, esse livro encantador de coelhinhos para crianças explora questões de casamento entre pessoas do mesmo sexo e democracia. Doce, engraçado e lindamente ilustrado, este livro é dedicado a todos os coelhinhos que já se sentiram diferentes.
“Aquele Verão”, Jillian Tamaki e Mariko Tamaki, tradução Dandara Palankof. Editora Mino, 2019.
Todo verão, Rose vai com seus pais para uma casa no lago em Awago Beach. É a fuga deles, o refúgio deles. A amiga de Rosie, Windy, também está sempre lá, como a irmãzinha que nunca teve. Mas este verão é diferente. A mãe e o pai de Rose não param de brigar, e quando Rose e Windy procuram se distrair do drama, se deparam com um novo conjunto de problemas. Os adolescentes da praia local, apenas um par de anos mais velhos que elas, se envolvem em algo ruim… Algo que põe em risco suas vidas. É um verão de segredos, dor e crescimento, e é uma coisa boa que Rose e Windy tenham uma a outra. Aquele Verão é uma nova graphic novel de duas quadrinistas com verdadeira influência literária. Artistas premiadas, e primas, Jillian e Mariko Tamaki colaboram nesta bela, comovente e esperançosa história sobre uma garota à beira do fim da infância – uma história de revelações e renovação.
“Quem é você, Alasca?”, John Green, tradução Edmundo Barreiros. Intrínseca, 2015.
Miles Halter vivia uma vidinha sem graça e sem muitas emoções (ou amizades) na Flórida. Ele tinha um gosto peculiar: memorizar as últimas palavras de grandes personalidades da história. Uma dessas personalidades, François Rabelais, um escritor do século XV, disse no leito de morte que ia em “busca de um Grande Talvez”. Para não ter que esperar a morte para encontrar seu Grande Talvez, Miles decide fazer as malas e partir. Ele vai para a Escola Culver Creek, um internato no ensolarado Alabama.
Lá, ele conhece Alasca Young. Ela tem em seu livro preferido, “O general em seu labirinto”, de Gabriel García Márquez, a pergunta para a qual busca incessantemente uma resposta: “Como vou sair desse labirinto?” Inteligente, engraçada, louca e incrivelmente sexy, Alasca vai arrastar Miles para seu labirinto e catapultá-lo sem misericórdia na direção do Grande Talvez. Miles se apaixona por Alasca, mesmo sem entendê-la, mesmo tentando sem sucesso decifrar o enigma indecifrável de seus olhos verde-esmeralda.
Fontes: