“Antes de dar nomes ao mundo”, de Adriana Lisboa: uma cartografia poética que transita entre o íntimo e o universal

Adriana Lisboa, escritora carioca, autora de obras como “Azul Corvo”, “Hanói”, “Rakushisha” e “Sinfonia em branco”, ganhador do prêmio José Saramago, lançou em 2025 seu novo livro “Antes de dar nomes ao mundo” publicado pela editora Relicário.

Seus poemas percorrem diversos caminhos, tocam temas cotidianos e profundos, desde questionamentos que fazemos quando somos crianças, que permanecem sem respostas na vida adulta, passando pelo luto vivenciado em dias comuns, sobre se acostumar com a ausência de alguém que já se foi,  também sobre aprender a pertencer e analisar como as coisas se constituem através das palavras. Tudo isso nos leva a refletir sobre a linguagem e a literatura, o existir e o sentido que damos a ele. 

O livro está organizado em cinco seções, sendo elas pré-história, teia, beco rio quintal praça mundo, uma emoção em falso e duas semanas em retiro de meditação. Esta proposta traz ao leitor uma sensação de que o livro traça uma geografia de espaços íntimos e exteriores, saindo da pré-história, passando pelo quintal e chegando ao mundo, tudo isso emaranhado pelas teias e atravessado pelos quintais, terminando em um retiro de introspecção, desbravando por fim, este mundo interno tão vasto.

Pré-história é composto por poemas que falam sobre o fazer literário e o manuseio das palavras, das páginas em branco, que embora representem o nada, não são sinal de angústia. Na literatura, a metalinguagem é um campo muito vasto, no qual a experiência literária pode superar a vivência do mundo real, através da escrita e da fala atravessamos nossos próprios infernos. 

Seus poemas nos convidam a atravessar nossas angústias ao ler e refletir sobre elas. Há um questionamento sobre como utilizar as palavras para dizer o que se quer, como construir e unir significados através delas. Falar do fazer é ainda uma maneira de fazer, através da linguagem é possível buscar uma organização para o que se deseja. 

a página em branco
não é um problema
não se angustia com nada
nem pede que a preencham
é amoral assintomática


Teia trata, de modo geral, de temas que envolvem a nostalgia, questões existenciais e questionamentos que nos fazemos desde a infância, que seguem sem ter uma resposta. Há ainda diversos poemas que retratam animais. As provocações feitas nos versos nos trazem para caminhos incertos, nos quais o que se teme pode, na verdade, ser a maior compaixão possível de se receber.

será que a vida é mesmo 
um grande arco de violência
um holofote rasgando o escuro
e morrer seria então o supremo
gesto de compaixão?


Beco rio quintal praça mundo possui alguns poemas intitulados com o nome de célebres mulheres, como Cora Coralina e Adrienne Rich. Seus versos nos despertam questionamentos sobre a criação e como ao mesmo tempo em que criamos, também estamos sendo criados, moldados, em uma interação na qual transformamos e somos transformados por aquilo que tocamos e que nos toca.

mas como ir na ventura do entalhe
criando o mundo     que no entanto
é o mesmo que nos cria?

Uma emoção em falso pode ser uma das seções com os poemas que mais tocam a sensibilidade do leitor, ela aborda a saudade que vem depois do luto, além dos outros sentimentos que fazem parte dele. O foco principal está no luto de sua mãe. No poema “Díptico para ela” retrata-se o luto em momentos cotidianos, o futuro que surge depois que uma pessoa amada já se foi e como ela permanece em lugares nos quais nunca sequer esteve.  

talvez porque hoje seja
uma sexta-feira como outra qualquer
aperta no peito isso de não
poder apanhar o telefone e dizer     mãe
bom dia
acordei pensando em você

Leia também: “Estrangeira na casa que habito”: Cearense Íris Cavalcante mergulha na poesia na busca de ocupar espaços com a voz feminina

Duas semanas em retiro de meditação é construída tal qual um diário, com títulos que brincam com a temporalidade. Os dias se misturam, as datas às vezes não são lineares, como se a noção de tempo fosse deixada de lado. Os fatos voltam, a ausência se faz presente, mas também há o que fica, as recordações da mãe, o presente do filho, os momentos. Chegamos a um lugar no qual nem tudo precisa ser feito de esquecimento, onde também é possível aprendermos a permanecer.

mas além disso levei anos-
luz para aprender
disléxica
o vocabulário de poder ficar

Em “Antes de dar nomes ao mundo”, Adriana Lisboa constrói uma cartografia poética que transita entre o íntimo e o universal, entre a contemplação e a inquietação. Cada seção do livro oferece uma lente distinta para observar a experiência humana — do nascimento da palavra à dor do luto, da infância ao silêncio meditativo. A poeta não oferece respostas prontas, mas convida o leitor a habitar as perguntas, a escutar o que pulsa nas entrelinhas e a acolher a beleza do que permanece indizível. Assim, sua poesia se torna um gesto de presença e delicadeza diante da vastidão do mundo e de seus mistérios.

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