“Serra Pelada”: performance e pesquisa dramatúrgica se unem em espetáculo que desafia convenções

Com enredo cruzando entre ficção, documentário e criticas sociais muito bem amarradas, Serra Pelada apresenta ao público, um olhar sobre a violência e a masculinidade nos garimpos brasileiros.

O espetáculo do coletivo Tablado SP, Serra Pelada, nasce de mais de dois anos de pesquisa do autor Alexandre Dal Farra sobre a dimensão do garimpo e da mineração na construção da modernidade. Através de viagens feitas por ele e o cineasta Joaquim Castro para a região e de uma série de reflexões a partir da peça “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues.

O espetáculo, segundo Dal Farra, é dividido em duas partes. “A primeira é um pouco essa tentativa de imaginar as pessoas vivendo naquele lugar. De pensar como era aquela região nessa época, desde o confronto entre os guerrilheiros do Araguaia e do Major Curió, até a criação do garimpo, o que significava estar ali no passado e o que eu consigo captar disso tudo hoje”, revela.

No início da apresentação, temos uma citação bem clara de um dos atores a Nelson Rodrigues sobre Boca de Ouro, uma citação que logo nos instiga e apresenta ao público uma das propostas de Serra Pelada. Mas Boca de Ouro nessa peça não é o bicheiro criado por Nelson Rodrigues, e sim a essência do ser animalesco do homem livre numa sociedade masculina, na qual utiliza a violência e exploração como recurso para seu benefício.

Serra Pelada, utiliza claramente a pesquisa muito bem feita por Alexandre Dal Farra, para nos inserir num contexto histórico de como Serra Pelada foi constituída e até regulamentada. Apresentando personagens históricos como Major Curió (Major Sebastião Rodrigues de Moura), que tinha o objetivo de estabelecer um controle sobre o garimpo, organizar a exploração do ouro, e manter a ordem no local. Mas visava também evitar o contrabando e garantir que parte do ouro extraído fosse para os cofres do governo, episódio muito bem retratado por Dal Farra.

A peça tem uma abordagem muito direta, focada na performance dos atores e numa construção narrativa didática, o que permite prender a atenção do público, pois ao mesmo tempo que é possível compreender o que é história do Brasil, também fica claro o que é ficção.

O elenco formado por Gilda Nomacce, Flow Kontouriotis, Monalisa Silva e Victor Salomão é extremamente competente, apresentando ótimas atuações e um desenvolvimento narrativo claro e intenso. Todos estão excelentes em cena e se divertem com a peça, criando um vínculo forte com o trabalho desenvolvido pelo coletivo.

De acordo com Bertolt Brecht, a dramaturgia não deve ser apenas uma narrativa, mas uma análise crítica da realidade. E Serra Pelada, bebe muito bem dessa ideia de Brecht, por ser  um trabalho complexo em sua pesquisa dramatúrgica, que expõe uma sociedade violenta e machista. A montagem merece uma maior atenção, por sua simplicidade na execução que envolve grandes atuações e poucos elementos cênicos, focando assim no que importa, a história que irá nos envolver.

Ficha Técnica:
Direção e texto: Alexandre Dal Farra
Elenco: Gilda Nomacce, Flow Kontouriotis, Monalisa Silva, Victor Salomão.
Direção de movimento: Lucas Brandão
Figurino, cenário e direção de arte: João Marcos de Almeida
Luz: Lucas Brandão
Produção: Corpo Rastreado – Leo Devitto e Lud Picosque

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