“Em Carne Viva”: coletânea inclui 15 contos de body horror com autoria feminina incluindo Margaret Awtood

Lançada em 2024 no Brasil pela Darkside, a antologia Em Carne Viva foi organizada pela escritora Joyce Carol Oates e traduzida para o português por Regiane Winarski. O livro inclui quinze contos de escritoras que trabalham o horror corporal, mais conhecido pelo seu nome em inglês, body horror. Este gênero tem como foco narrativas cujo horror provém do corpo, suas modificações, destruições e estranhamentos.

A obra inclui grandes nomes, como Margaret Awtood, Lisa Tuttle, Tananarive Due, Due, Elizabeth Hand, Megan Abbott, Raven Leilani, Aimee Bender, Lisa Lim, Cassandra Khaw, Aimee LaBrie, Valerie Martin, Sheila Kohler, Joanna Margaret e Yumi Dineen Shiroma.

O livro já começa com um conto bastante perturbador, apesar de não trazer violência. Em “Frank Jones”, Aimee Bender nos apresenta uma personagem que costuma encontrar sempre uma pinta que cresce em seu corpo, tipo uma verruga, uma pinta. Ela remove a pinta, girando, sem dor, mas a mesma sempre cresce outra vez. E com os pedaços que vai tirando ela faz um boneco, que usa para assustar seus colegas de trabalho, os quais agem de forma bastante rude com ela. É uma narrativa aparentemente simples, leve, mas a presença da criatura feita de pele e o seu possível poder sobre os outros após o encontrarem é bastante perturbador.

O conto de Tananarive Due é uma bela e triste narrativa sobre luto e sonhos perdidos. A protagonista é uma mulher nos seus quarenta anos, que passara metade de sua vida cuidando da avó. Após a morte da avó, ela vivencia o luto de uma forma um tanto peculiar: não consegue parar de dançar, e a narrativa sugere uma provável conexão disso com o fato de a avó ter sonhado em ser bailarina quando criança, mas nunca pôde devido ao racismo, por conta da cor de sua pele.

Margaret Awtood contribui com um conto sensacional chamado “Metempsicose”, em que acompanhamos um caracol que se vê em um corpo de mulher, e a narrativa descreve de forma atenta e detalhada todos os estranhamentos da criatura ao se encontrar em um corpo humano.

Joanna Margareth traz uma obra prima do body horror com “Malena”, em que conhecemos Lara, uma estudante de artes que passa os dias no ateliê, esculpindo. Dizem que o dom estava dentro dela, mas acabamos por descobrir que isso não era apenas uma expressão, pois havia, de fato, algo físico dentro dela, que se manifesta em sua arte.

Em “Dançando com Espelhos”, Lisa Lim, autora e ilustradora do conto, nos mostra uma mulher obcecada com a sua própria imagem. É a voz da protagonista que conta sobre sua mãe, a qual vivia a dançar com os espelhos, como ela se refere, pois sua mãe se importava demais com a aparência a ponto de negligenciar os filhos e passar por cirurgias que a deixam deformada. A narrativa segue por caminhos insólitos e desperta grandes reflexões sobre a problemática de uma sociedade que valoriza demais a aparência, principalmente das mulheres.

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O último conto, que fecha a obra com chave de ouro, é “Sydney”, de Sheila Kohler. O conto é sobre uma jovem que se casa com um médico, um homem mais velho, que mal a conhece e a pede em casamento. Vindo de família humilde, a jovem aceita e vai morar com o homem, que mal conversa com ela, não lhe dá qualquer forma de afeto ou sequer demonstra desejá-la. O médico tem empregados que cuidam da casa, então a jovem vive entediada, com um marido com quem não tem conexão, em uma casa onde sequer precisam que ela trabalhe, algo que ela estava acostumada a fazer onde morava com o pai e a avó. Até que um dia ela descobre, em uma porta atrás da biblioteca do médico, que ele guardava um segredo. Com referências a Jane Eyre, Frankenstein e experimentos tecnológicos a lá Black Mirror, o conto toma um caminho inesperado e surpreendente.

A antologia como um todo é uma leitura fascinante, cada história trazendo criações muito únicas, que deixaram Mary Shelley orgulhosa de como mulheres seguem criando bravamente e assim refletindo os significados por trás da carne, os mistérios da ciência e os horrores que nos rondam e nos permeiam.

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