“Balada acima do abismo”: Maria Fernanda Cândido no tempo de Clarice Lispector

No palco, a atriz Maria Fernanda Cândido, com um vestido branco, faz gestos lentos e controlados com os braços. À sua esquerda, um cubo espelhado repousa no chão; à sua direita, um piano de cauda preto no qual se vê um xale preto pendurado. O fundo, todo escuro, é entremeado por uma iluminação que parecem ondas irregulares. Cândido anuncia que está pronta para o seu nascimento. Em seguida, adentra o palco a pianista Sonia Rubinsky, que se senta ao piano para tocar uma música clássica, enquanto Cândido faz gestos contidos ao fundo.

Findando os acordes do instrumento, a atriz retoma o centro do palco e agora ela é a escritora Clarice Lispector já adulta, que se afasta de uma festa de diplomatas, atraída pela floresta que vê da janela. Relembra que nasceu em uma aldeia ucraniana que não se encontra no mapa. “Por questão de meses não fui brasileira nata”, explica. Ela sente o apelo da floresta e das raízes ucranianas chamando-a. No entanto, “eu pertenço ao Brasil”, sentencia.

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Essa é uma das cenas do espetáculo Balada acima do Abismo, que entra em cartaz neste sábado no Teatro D’Jaraguá, no centro de São Paulo. O título toma como inspiração um verso do poema “Visão de Clarice Lispector”, de Carlos Drummond de Andrade, escrito em 1977. É Lispector olhando por cima do abismo, que é a vida e a própria morte. A peça é uma versão de um recital realizado na França por Cândido e Rubinsky como parte dos eventos comemorativos do centenário da escritora em Paris, em 2020. Alguns textos de Lispector foram adaptados por Catarina Brandão, atravessando desde o nascimento da autora, passando pela infância no Recife, a morte do pai, a chegada ao Brasil, o amor à língua portuguesa, a dificuldade em ser artista, o ator de escrever, até a sua morte.

“É o exercício de contar e viver ao mesmo tempo. É uma narração de quem está vivenciando algo”, diz Cândido, cuja relação com a escritora não é de hoje, uma vez que fez a protagonista do filme A paixão segundo G. H., de Luis Fernando Carvalho, que foi exibido nos cinemas no ano passado. Aliás, a marcante personagem da Lispector é considerada por Cândido seu papel mais difícil até o momento.

Rubinsky comenta que é a primeira vez que ela participa de um trabalho como esse, em que divide a cena no teatro lado a lado com uma atriz. A música, em Balada acima do abismo, faz parte intrínseca ao andamento da história. No repertório musical, há composições de Alberto Nepomuceno, Villa-Lobos e Rachmaninoff.

“Ela é igualmente uma personagem e foram minuciosamente escolhidas, estão em momentos muito estratégicos e muito específicos do espetáculo”, complementa o diretor Gonzaga Pedrosa. “A música está dentro da trama.”
É a primeira vez que esse texto será encenado em português, com a direção de Gonzaga Pedrosa, e a expectativa é grande, ainda mais por marcar a reinauguração do Teatro D’Jaraguá, a partir deste sábado, dia 25, data que também celebra o aniversário da cidade de São Paulo.

Sobre o Edifício Jaraguá e Teatro D. Jaraguá

O dia 25 de janeiro também é simbólico ao antigo Edifício Jaraguá. Foi justamente nessa data que, nas comemorações do 4º centenário de São Paulo, o histórico prédio foi inaugurado, em 1954. Ele foi originalmente sede do jornal O Estado de S. Paulo e da Rádio Eldorado, além de abrigar um hotel nos andares superiores. Anos depois, converteu-se integralmente a hotel e passou por diferentes administrações até a atual, da Nacional Inn.

O prédio é um exemplar importante da arquitetura modernista paulistana, que inclui painéis de Di Cavalcanti. Com seus vinte e um pavimentos, localização estratégica, base em forma de trapézio, quebra-sóis móveis e um grande relógio no topo, o edifício teve seu período de glória durante os anos 1960 e 1970. Em seu saguão, é possível observar retratos em preto e branco de artistas, políticos e personalidades nacionais e internacionais que se hospedaram no hotel.

Localizado no 2º subsolo do edifício, o Teatro D. Jaraguá, com capacidade para 270 pessoas, ressurge como uma joia restaurada. Foi totalmente reformado para se adequar às necessidades técnicas das equipes de teatro e propiciar conforto aos espectadores. Com o cheiro de novo das poltronas vermelhas e os vincos recentes na cortina de veludo, o Teatro D’Jaraguá retorna à cena cultural como um palco de encontros e celebrações memoráveis em torno do teatro, da música e da literatura.

Texto de Paula Carvalho e Sandra Acosta

Serviço:

Peça – BALADA ACIMA DO ABISMO.
Estreia – dia 25 de janeiro, sábado, 20 horas.
Temporada – até 9 de fevereiro de 2025.
Sessões – quintas, sextas e sábados, às 20h e domingos às 19h.
Local – Teatro-D-Jaraguá. Rua Martins Fontes, 71,
Anhangabaú, Centro, fone 11-2802-7075.
Duração: 75 minutos.
Classificação Indicativa: livre.
Ingressos: R$ 150,00 (inteira), R$ 75,00 (meia) e R$ 60,00 (promocional)
Vendas: https://bileto.sympla.com.br/event/101947

Ficha Técnica:

Atriz: Maria Fernanda Cândido
Pianista: Sonia Rubinsky
Direção: Gonzaga Pedrosa
Concepção e adaptação de textos de Clarice Lispector: Catarina Brandão
Cenário e figurino: Fábio Namatame
Iluminação: Caetano Villela
Hospedagem Oficial Nacional Inn Jaraguá
Direção de produção: DR Produções Teatro-D-Jaraguá.
Um projeto idealizado e realizado por Darson Ribeiro.
Assessoria de Imprensa – Arteplural / M Fernanda Teixeira, Macida Joachim, Maurício Barreira.

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