Explorando “Jóquei”: poesia, encontros linguísticos e imagens solares na obra de Matilde Campilho

Minha amiga Jacque Falcheti havia me falado sobre o livro Jóquei, da poeta Matilde Campilho. Ela, uma fã do livro, havia postado trechos, declamado versos e criado seus próprios poemas para dialogar com os textos da autora. Fiquei, portanto, curiosíssima para conhecer o livro de estreia da autora portuguesa, publicado pela editora Tinta da China em Portugal e Editora 34 aqui no Brasil. Jóquei chegou até mim com altas expectativas – e cumpriu todas elas.

Sobre a poesia

Sintetizar uma obra poética tem seus desafios. É como se, ao apreender alguns dos temas contidos em suas páginas, outros escapassem, como areia entre os dedos. Mais do que mensagens fechadas, um livro de poesia é construído para ser experienciado aos poucos, em um jogo de mostra e esconde, deturpando o que é conhecido e confortável para o leitor. Não é à toa que a poesia pode oferecer uma sensação de incompletude enquanto expande, por meio da linguagem, nossas fronteiras sobre o que é a realidade. Jóquei faz isso com maestria.

A poesia em Jóquei

Jóquei é composto de sete capítulos. Em cada um deles, Campilho explora os brancos das páginas de formas múltiplas. Seja com poemas e seus versos mais tradicionais, seja com o preenchimento total em diálogos, cartas a crianças, diários. Nessas conversas, me chamou a atenção a diversidade de imagens, sons e léxicos mesclados, originando combinações inesperadas. Vai dizer que os versos “És faxinação, amor / Seu cabelo está todo iluminado/ de partículas galácticas/ sua pele brota toda negra / ameaçando a primeira visão / que o centauro ofereceu / ao menino de 13 anos / quando apontou a concha de ouro” não faz a gente ficar em estado de susto, dúvida e, ao mesmo tempo, encantamento?

Ao mesmo tempo, em muitos dos versos de Campilho, há pílulas de simplicidade e lucidez sobre os mistérios da vida. “Esta coisa da alegria ainda vai dar muito certo”, “amor é o contrário do fim”, “família é isso mesmo: dois caubóis / fintando a gravidade a monotonia” se incrustam no imaginário como aforismos prontos a serem compartilhados em cartas, fincados em epígrafes, pichados pelos muros da cidade.

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As imagens poéticas de Jóquei

Na poesia de Campilho, observa-se um intercâmbio Brasil-Portugal, onde palavras específicas do português falado do “lado de cá” e “de lá” do Atlântico entram em harmonia. Em trechos como “Fui reparar que agora tu e a tua miúda fazem / cafés da manhã para entregar ao domicílio” só poderiam surgir de alguém que mantém a estrutura e a cadência do português europeu e incorpora palavras do dia a dia brasileiro. Além disso, há poemas e versos completos em outros idiomas, como o inglês e o italiano, e referências a outras cidades e países, indicando a liberdade criativa de quem vive sem fronteiras e não distingue mais o que é local e estrangeiro.

Por fim, outra imagem recorrente na poesia de Campilho são as estações do ano, sobretudo o verão. Há alusão a praias, sol, escafandros, ondas de 22 metros, mergulhos. Tudo isso só me leva a crer que Jóquei é um livro solar, desses que iluminam o leitor e aquecem tudo ao seu redor.

Sobre a poeta

Matilde Campilho nasceu em Lisboa em 1982. Entre 2010 e 2013 viveu no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro. Publicou poemas e crônicas em revistas e jornais portugueses, brasileiros e norte-americanos. Jóquei é seu primeiro livro.

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