Assim como muitas atividades e artes, a literatura às vezes parece vir de família: aconteceu com Luiz Fernando Veríssimo, filho do grande Érico Veríssimo. A literatura corre no sangue da família King, sendo ambos Stephen e a esposa, Tabitha, grandes escritores, e dois de seus filhos, Owen King e Joe Hill, já seguiram o caminho da escrita. E na família Mellvee não poderia ser diferente: a escritora gaúcha Fernanda Mellvee, Mestra em Letras e finalista do Prêmio Kindle de 2017 com o seu romance Amarga Neblina, enquanto constrói a própria e encantadora carreira literária, já vem incentivando o fazer literário em casa: a sua filha, Melissa Mellvee, de apenas 13 anos, mostra que o talento e a dedicação pelo mundo das Letras estão no sangue. Melissa já tem contos publicados em dois livros: a primeira publicação foi na antologia de micro contos Sem/Cem Palavras, organizado pela Profa. Dra. Cinara Ferreira e pela Mestra Fernanda Mellvee, lançado em 2018, pela editora Bestiário. A jovem escritora também participou da segunda edição do livro de micro contos, de mesma organização e editora, chamado Outras Sem/Cem Palavras, de 2019.
Fernanda Mellvee, além de ter lançado um romance e organizado duas antologias com a Profa. Cinara, também já lançou diversos contos pela plataforma Kindle, na Amazon, e mais recentemente a novela Atrás da Cortina. O seu novo lançamento é a sua primeira antologia solo de contos, chamada Ausente Noite e outras histórias de adultério, no qual encontramos contos fantásticos e com enredos surpreendentes, nos quais o protagonismo feminino é constante, algo do qual a literatura vinha necessitando há muito tempo. O livro se encontra em pré-venda pela editora Berserkir, idealizada e criada pelas duas Mellvees, um projeto literário de mãe e filha que deverá lançar, além da antologia de contos de Fernanda Mellvee, o primeiro romance de Melissa Mellvee. Conversamos um pouco com as duas para saber mais sobre como iniciou essa jornada literária em família e também para conhecermos mais sobre a nova editora, a qual elas apresentam no vídeo abaixo, publicado no canal do YouTube chamado Para Ler Antes de Dormir, no qual as duas escritoras costumam indicar livros:
- Como surgiu a paixão de vocês duas pela escrita? Fernanda, qual foi o primeiro livro que você lembra de ter lido e que foi inspirador para que você se tornasse uma escritora? E Melissa, o que te motivou a começar a escrever? Qual foi o seu primeiro livro favorito, que serviu de inspiração?
Fernanda: Sempre gostei muito de ler. Assim que fui alfabetizada, comecei a escrever as minhas próprias historinhas, contando as aventuras da Tila – a cachorrinha que ganhei no meu 5º aniversário – ou inventando personagens inspiradas nas minhas bonecas. Mas o primeiro livro que me inspirou a escrever foi o Noite na taverna, que acredito que seja o primeiro livro inspirador de muitos autores e autoras de literatura fantástica nascidos no Brasil.
Melissa: Eu sempre tive curiosidade em saber o que a minha mãe tanto gostava, o porquê de ela adorar a escrita. Ela costumava ler para mim desde que eu era pequena, então eu passei a inventar histórias e escrever, principalmente no recreio da escola. Quando eu comecei a entender mais sobre a escrita, como planejar e criar os personagens, comecei a escrever contos, e depois, o meu primeiro romance, Nós e os dragões. Então eu posso dizer que foi a minha mãe que me motivou e me inspirou a começar a escrever. O meu primeiro livro favorito (que é até hoje,) se chama Como treinar o seu dragão, de Cressida Cowell, que também foi uma inspiração para mim.
- Quais as autoras e os autores favorito/as de vocês?
Fernanda: Minhas primeiras referências literárias foram o Poe, o Maupassant e o Álvares de Azevedo (não sei se fui eu quem escolheu a literatura fantástica ou se foi a literatura fantástica quem me escolheu), com o passar do tempo, conheci também as autoras que escrevem fantasia, como a Marion Zimmer Bradley, e a latino-americana Maria Luisa Bombal. Na atualidade, tenho como favoritas duas autoras muito talentosas e promissoras no gênero fantástico: a Melissa Mellvee e a Amanda Leonardi.
Melissa: Bom, em literatura infanto-juvenil a minha autora favorita é a Cressida Cowell, autora da série Como treinar o seu dragão e de outros livros incríveis. Em outras literaturas, adoro as histórias maravilhosas da talentosa escritora Fernanda Mellvee e os contos magníficos da talentosa escritora Amanda Leonardi. Recentemente conheci a autora Clare Vanderpool, e me apaixonei por Em algum lugar nas estrelas, então ela seria a minha quarta autora favorita.
- Vocês acreditam que a literatura fantástica é uma forma de dizer coisas difíceis de serem ditas em obras realistas? Qual o apelo da literatura fantástica no cenário literário atual?
Fernanda: Como promotora da experiência humana, a ficção é um campo muito fértil para observarmos o desdobramento de questões que permeiam a nossa realidade. A literaturatem me ajudado também a lidar com a ansiedade. No início da pandemia, comecei a escrever o romance Atrás da cortina, que é a minha primeira experiência com narrativa longa de literatura fantástica. E agora, com a publicação de Ausente noite e outras histórias de adultério, consegui colocar em prática o projeto de lançar um livro de contos fantásticos – que era um sonho bem antigo.
- É possível observar que as suas obras muitas vezes trazem mulheres como protagonistas. Qual a importância de personagens femininas como protagonistas?
Fernanda: Por mais que nós mulheres sigamos conquistando o nosso espaço, sabemos que ainda há uma luta diária para garantir que os nossos direitos não sejam roubados, principalmente nesta época de retrocessos que estamos vivendo. Sendo assim, considero importante trazermos o nosso protagonismo também para a ficção, proporcionando, por meio dela, reflexões acerca da nossa condição de mulher dentro da sociedade.
Melissa: Muitas vezes as mulheres não se sentem representadas nas histórias, se pararmos para pensar, a maioria dos personagens são homens. Na Literatura Fantástica, por exemplo, a maioria dos heróis que eu conheço são garotos. Os personagens acabam mudando alguma coisa em nossas vidas sempre. Os personagens bons, como os heróis, acabam nos servindo de inspiração. Então é sempre bom ler histórias que também são protagonizadas por mulheres, nos identificamos mais, entramos nas histórias, e claro, fica muito legal.
- E como é a rotina de escrita de vocês? Costumam escrever todos os dias? Há uma meta de horas ou palavras diárias ou vão escrevendo conforme as ideias fluem? Como fazer quando não vem inspiração?
Fernanda: Recentemente, eu participei de uma série de vídeoaulas sobre criação literária. Um dos principais tópicos abordado nesta aula – e em todas as aulas de escrita que já ministrei até hoje – foi a importância de manter uma rotina de escrita, mesmo que a inspiração não esteja presente. É claro que escrever com inspiração é sempre uma atividade mais prazerosa, porém, infelizmente nem sempre dispomos de tempo livre quando as ideias batem à porta. Então, acredito que é muito importante manter uma rotina diária de escrita, mesmo que seja de poucos minutos de trabalho, no intervalo entre uma atividade e outra.
Melissa: Eu aprendi com a minha mãe que é sempre bom criar uma rotina de escrita. Costumo escrever todos os dias, pela manhã, e claro, escrever sobre um assunto que eu gosto, então a inspiração fica muito mais fácil de vir, ou de ser alcançada. Quando a inspiração não vem, eu procuro ler uma cena do texto enquanto ouço alguma música, então vão surgindo mais e mais ideias, e eu retorno à escrita.
- E o principal motivo desta entrevista: qual foi a motivação para abrir uma editora própria?
Fernanda: A principal razão pela qual decidimos criar a Berserkir foi o fato de constatarmos que ainda existe uma lacuna no que diz respeito à publicação e à divulgação da literatura fantástica produzida por autores contemporâneos nacionais. Existe um paradoxo na maneira como a literatura fantástica é tratada no Brasil. Sabemos que a literatura fantástica é um gênero que está sempre no topo das listas de vendas em todo país e que nomes como Poe, Bram Stoker e Mary Shelley são sempre lembrados como grandes autores da literatura universal (que é um conceito bem controverso, diga-se de passagem), mas por que os autores do gênero que estão começando agora ainda encontram tanta dificuldade para terem seus livros aceitos por editoras brasileiras?
- Por que o nome Berserkir?
Fernanda: O nome foi escolhido pela Melissa, creio que ela possa explicar melhor a ideia.
Melissa: A princípio, o nome seria Editora Imaginária, que havia sido escolhido pela mãe. Eu gostei desse nome, mas eu tinha outro nome em mente. “O que acha de Editora Berserkir?,” perguntei. Ela adorou a ideia. Escolhi esse nome pois, eu adoro os vikings, a cultura deles, os costumes, e os Berserkir eram povos vikings que entravam em um estado de loucura durante as suas batalhas. Até as outras tribos vikings os temiam. Existe a expressão em inglês “to go berserkr,” que significa ficar incontrolável, violento, e eu acho isso muito bacana. Na verdade, todos nós entramos num estado berserkir quando escrevemos.
- Quais os planos para o futuro da editora?
Durante todo o ano de 2020 – assim como o restante do mundo – nós tivemos que adiar os nossos planos em decorrência do distanciamento social imposto pela pandemia, porém as ideias jamais nos abandonaram. Já para o início de 2021, temos previsto o lançamento da antologia resultante do projeto “Autoras minicontam”, que reunirá minicontos de várias autoras de diversas partes do Brasil; em seguida, será publicado o primeiro livro solo da Melissa, Nós e os dragões, entre outros projetos que já estão sendo desenvolvidos pela editora.
- Que dicas vocês dariam a escritores iniciantes?
Fernanda: A mesma dica que sempre dou aos meus alunos de criação literária: NÃO TENHA MEDO DE ESCREVER!! Embora as oficinas literárias ajudem bastante no planejamento da narrativa e na construção dos personagens, a melhor forma de levar um projeto adiante é tirando as palavras do plano das ideias. O processo de escrita é muito trabalhoso, envolve pesquisa, demanda tempo e é quase sempre muito solitário, mas ver uma história que no princípio era só um devaneio ganhar forma não tem preço.
Melissa: NÃO DESISTA! Escreva sobre o que você gosta, com o seu estilo, com as suas ideias, e nunca desista. É importante escrever sobre algo que gostamos, a escrita flui, e tudo fica mais divertido. Abra aquela página do word, descarregue suas emoções e ideias, como a mãe falou, não tenha medo, e não se pergunte “Será que eles vão gostar do que eu estou escrevendo?,” ou “Eu devo mudar os temas das minhas histórias para agradar a todos?” O importante é você gostar do que escreve e pronto. Nunca desista!