O pesquisador e professor do King’s College em Londres, Felipe Botelho Corrêa, realizou uma pesquisa de doutorado na Universidade de Oxford que não só confirmou as suspeitas acerca de alguns pseudônimos de Lima Barreto como constatou a existência de vários outros.
Ao todo, foram descobertos 164 escritos com diversos pseudônimos – “J. Caminha”, “Leitor”, “Aquele”, “Amil”, “Eran”, “Jonathan”, “Inácio Costa” – todos pseudônimos do grande Lima Barreto. A pesquisa encontrou estes textos em revistas satíricas, o que aponta para a possibilidade de Lima Barreto ter assinado os textos com outros nomes para evitar perseguição política. Suas crônicas falavam do subúrbio, do bairro de Todos os Santos e da rua onde morava. Nelas, reclamava das calçadas, dos serviços de trem, do abandono do poder público… Além disso, Lima Barreto comentava notícias sobre políticos da Primeira República, tirando sarro dos mesmos.
As descobertas da pesquisa serão lançadas, pela Editora Penguin-Companhia, com o título Sátiras e outras subversões. O lançamento acontecerá no dia 01/08/16, na Livraria Travessa do Shopping Leblon, no Rio de Janeiro.
Confira alguns trechos da obra:
1- “Um bom ministro”
“Logo que o prestante cidadão foi empossado ministro da Agricultura, tratou de acabar com a burocracia.
A diretoria de agricultura não lhe pareceu corresponder ao nome. Não havia nela absolutamente nem um pé de couve. O ministro energicamente mandou retirar as mesas, todo o aparelho burocrático e espalhar terra nos salões das seções e semear couves.
Os empregados foram incumbidos de tratar dos canteiros, regar as mudas, transplantá-las e deixar por completo a mania de redigir pareceres e ofícios.
A diretoria de contabilidade foi transformada em horto florestal com baobás e jequitibás, gênero tartarin. Essa ideia foi muito gabada e elogiada pelo aspecto prático que oferecia, pois em breve poderíamos deixar de importar pinho-de-riga.
Calculou-se mesmo que, dentro de cinco anos, com essa floresta tartarinesca do ministro, a economia nacional ganharia cerca de cem milhões de contos.
O telhado do edifício do Ministério foi aproveitado para o plantio de fumo.
O ministro, que era administrador e bom observador, tinha notado que, quase sempre, nos telhados de casas velhas, nascem pés de fumo silvestres. (…)”
2- “Notas avulsas”
“Uma tarde destas, não sei por quê, deu-me na telha tomar um bonde do Catete e ir até o largo do Machado.
Há muitos anos não ia eu por aquelas bandas, embora sejam as do meu nascimento.
Tenho mesmo indiferença por elas, donde se pode inferir que a pátria pode ser muito bem o lugar em que nascemos, mas nem sempre é aquele que amamos.
Embarquei no bonde e fui desfrutando a paisagem urbana. Rua Senador Dantas! Como está mudada! Não tem mais a beleza ou as belezas de antigamente! Para onde foram? Voltaram para o cemitério? Quem sabe lá? Passeio Público. A mesma quietude. Lapa. A coluna das sogras lá está impávida a retesar fios e cabos. Tudo pouco mudado. Vamos adiante. Estamos em frente ao Palácio do Catete. Há na porta um vaivém de gentes e automóveis. Que há? É sua excelência, que vai para Petrópolis. Parece que embarcou no automóvel. Ao meu lado, um cidadão, olhando o telhado do palácio, pergunta a um amigo próximo:
— Por que é, Costa, que, quando ele sobe, a bandeira desce? (…)”
3- “Morro Agudo”
“Noticiam os jornais que os moradores de “morro Agudo”, localidade situada à margem da Estrada de Ferro Auxiliar à Central, protestaram contra a mudança de nome da respectiva estação, mudança imposta pela diretoria da Estrada que precedeu à atual
Vem a pelo lembrar de que forma horrorosa os mesmos engenheiros vão denominando as estações das estradas que constroem.
Podemos ver mesmo nos nossos subúrbios o espírito que preside tal nomenclatura.
É ele em geral da mais baixa adulação ou senão denuncia um tolo esforço para adquirir imortalidade à custa de uma placa de gare. (…)”
[Matéria original no link: http://oglobo.globo.com/cultura/livros/pesquisador-identifica-164-textos-de-lima-barreto-assinados-com-pseudonimos-19795797]