Texto de cobertura do Festival de Sundance 2025
A premissa de Atropia é tão absurda que parece completamente ficcionalizada. Em um deserto da Califórnia, dezenas de pessoas vivem em uma cidade de mentira, criada com o propósito exclusivo de preparar soldados americanos para guerra. A população é formada por atores amadores e veteranos de guerra, e diversas situações são criadas para testar os jovens soldados que em breve serão despachados para o conflito verdadeiro.
Mas o contexto é absolutamente real. Os Estados Unidos realmente possuem cidades desse estilo e, inclusive, uma delas carrega o mesmo nome do filme de Hailey Gates, que ganhou o grande prêmio do Júri no Festival de Sundance. A obra se passa no titular vilarejo, que também possui a alcunha de The Box, a caixa, onde em breve uma nova leva de recrutas irão passar seus dias antes de embarcar para o Oriente Médio.
Só esse cenário, onde realidade e simulação se confundem, é bastante fértil para explorar a complicada relação que os americanos possuem com a guerra, mas a trama possui uma outra camada, onde a protagonista, Fayruz (Alia Shawkat), uma suposta iraquiana que atua em Atropia, se apaixona por outro integrante do elenco, o ex-soldado Tanner (Callum Turner), que interpreta o líder insurgente “Abu Dice” dentro daquela realidade.
![Atropia](https://jornalnota.com.br/wp-content/uploads/2025/02/callum-turner-whispers-to-alia-shawkat-in-the-2025-sundance-movie-atropia-1024x512.avif)
Ambos têm o desejo de sair dali, mas com ideias diferentes de como fazer isso. Fayruz quer se tornar uma atriz de cinema e não perde uma oportunidade de conseguir o seu grande momento, mesmo que coloque em risco a “realidade” de Atropia. Já Tanner quer, mais do que tudo, retornar ao conflito de verdade.
Leia também: “AQUI” (2024), de Robert Zemeckis e o frenesi da inteligência artificial
Infelizmente, apesar do cenário rico, a sátira de Atropia parece não decidir se quer criticar o complexo militar ou ser uma comédia romântica em um cenário inusitado. O romance principal parece existir em certa distância ao que torna Atropia fascinante, e a cidade acaba se tornando somente um plano de fundo para a relação de Fayuz com Tanner. Há até um diálogo interessante sobre como a guerra afeta o funcionamento normal de um ser humano, mas que serve somente para uma cena engraçada sem apontar para uma ideia ou momento maior.
O longa lembra um pouco M*A*S*H, de Robert Altman, em sua estrutura solta ao lidar com a rotina naquele ambiente. As sequências soltas até têm alguma graça – especialmente uma que lida com um ator muito famoso – mas falta certa unidade para que as críticas tenham a pungência necessária.