Sob a direção de Clara Carvalho, “Escola de Mulheres” é uma peça teatral que continua a desafiar os paradigmas patriarcais, mesmo após séculos de sua criação. Escrita pelo gênio cômico Molière, essa comédia francesa aborda um tema complexo e multifacetado com habilidade e humor, destacando a autonomia feminina e o direito à escolha.
Com curta temporada, a Cannal Produções que estreou em março e fica até dia 20 de abril em cartaz no tradicional Teatro Itália no centro de São Paulo, exibe uma adaptação que não desabona a obra de Moliére, as escolhas assertivas da peça já nos são apresentadas no início do espetáculo: o cenário minimalista nos faz entender um conceito básico teatral: tudo no palco deve servir para algo, e é a partir daí que entramos como espectadores em um pacto ficcional, entendendo e apreciando cada nova significação de cenário que ali nos é apresentada.
Mas, como fazer uma história tão antiga se tornar próxima a nós? É isso que podemos nos perguntar quando somos plateia de uma peça que sabemos ter sido escrita em 1662, contudo e infelizmente, é frustrante perceber o quão atual é o protesto de Moliére que coloca em seu texto o desejo do homem pela insipiência feminina, limitando suas escolhas, seus desejos e seu progresso.
Para além da reflexão diante da condição feminina, a questão que aflige o personagem Arnolfo, que não consegue sequer consentir a possibilidade de ser traído, nos provoca um pensamento sobre os estilos de nossas relações: não é difícil questionar o papel do outro sobre nossas espectativas, como se fôssemos proprietários dos desejos alheios, quando mal conseguimos governar os nossos próprios.
Essa problemática, que não é exclusiva ao masculino, revela uma mentalidade possessiva e controladora. Que leva as relações a extremos de paixão e possessividade, como se fossem destinos preordenados ou encontros predestinados para a eternidade.
Além disso, a preocupação em ser ou não ser traído transmite outra vertente do patriarcado: a coação em exibir para sociedade um status de homem provedor que controla não só o que está externo como os desejos intrínsecos de sua parceira. Essa condição que parece uma preocupação infrutífera na atualidade, na realidade revela um sentimento atemporal e universal das relações.

O recurso técnico que nos aproxima daqueles personagens é a quebra da quarta parede que, usada de maneira contida e no momento certo, tiram riso e aproximam quem apresenta de quem assiste.
No elenco, que demonstra a todo novo ato profunda afinidade, alguns nomes se destacam: Brian Penido Ross (como Arnolfo) e Gabriela Westphal (como Inês) dão um show quando o assunto é sintonia e protagonismo, mas a maior surpresa vem de três personagens secundários: Felipe Souza (como Cupido) nos revela que não é necessário dizer nenhuma palavra em cena para ser marcante, com uma expressividade corporal impecável o ator, que nada diz, eleva a cena com sua presença e nos prova que a atuação se faz no corpo. Continuando com as boas surpresas, quem rouba mesmo nossa atenção são Nando Barbosa (como Alain) e Vera Espuny (como Georgette) são esses dois que ditam o ritmo da peça trazendo leveza e doses cômicas perfeitas, além de um jogo teatral que nos faz querê-los em cena o tempo todo.

Sem mais delongas, a peça nos faz refletir, com humor, sobre a reivindicação da mulher a seu direito de liberdade e escolha, seja em qual século for. E se faz uma lição válida para todos os gêneros e modelos de opressão.
“Escola de Mulheres” é uma peça clássica que continua a surpreender e a fazer refletir.
Não perca a chance de assistir a essa peça clássica, revisitada com humor, talento e uma perspectiva contemporânea.