Em “Açougueira”, Marina Monteiro relata assassinato de homem em cidadezinha do interior e expõe machismo da sociedade na condenação prévia da mulher em qualquer circunstância
“Em Açougueira, a narradora conta seu testemunho de vida e o oferece perante um júri. Essa mulher quieta e observadora, espia a vida por uma fresta e vive a vida por uma fresta. Ir contra Deus, desse jeito, é demais, é ir contra a natureza do homem. Mulher não age assim. Dizem a ela, e contra deus e tudo, ela segue, abrindo passagens. Neste romance, Marina Monteiro trabalha linguagem e forma de um modo admirável e faz emergir uma história inquietante e polifônica.”
Em uma das cenas mais emblemáticas de “Açougueira” (editora Claraboia, 148 pág.) a personagem principal é incitada a abater e descarnar um boi. O duelo homem-animal presente no imaginário como uma batalha entre a força masculina versus a natureza ganha outras camadas e evidencia a singularidade do romance de estreia da escritora e dramaturga gaúcha Marina Monteiro, que também é atriz, arte-educadora, produtora e gestora cultural. Na trama, quem está em frente ao boi é uma mulher. Ao deslocar as posições sociais e de poder, a escritora apresenta um romance provocativo que evoca discussões sobre violência de gênero e opressão.
A obra permeia temas como tradições sociais, relações familiares, paixão, desejo, violência doméstica e justiça. Este último, segundo a autora, é motivo de inquietação constante: “Reflito sobre o papel da justiça, o ideal de imparcialidade, a realidade muitas vezes parcial em uma sociedade tão desigual quanto a nossa”. Uma das inspirações para o livro veio justamente de sua busca por casos de violência contra a mulher na internet, em notícias e reportagens, e a percepção dos resultados de julgamentos desfavoráveis às vítimas. “Comecei a observar como a Justiça prontamente já coloca essa mulher no centro do palco de acusação. Tirar a vida de alguém é um crime que precisa ser punido, assim como violentar uma mulher, física ou psicologicamente, também deve ser. Mas o que acaba acontecendo, na maioria das vezes, é uma culpabilização da vítima”, argumenta.
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“Açougueira” se divide em cinco partes intituladas: “O reflexo no braço dele”, “Coro de vizinhos”, “De fora a fora”, “Coração fazendo goteira” e “Voz escorrendo”. O enredo envolve o assassinato e esquartejamento de um homem numa cidadezinha interiorana onde todos se conhecem. A principal suspeita é a esposa, personagem central da trama.
A narrativa é estruturada a partir de depoimentos concedidos a uma autoridade, referenciada por todos como “doutor”. A esposa detalha desde o início do enlace com o futuro marido até a decadência do matrimônio. Suas falas são entrecortadas por declarações pouco amistosas de vizinhos e conhecidos do casal.
De fato, a determinação com que a esposa passa a própria vida em revista, incluindo nessa narrativa as partes repugnantes de sua trajetória, evidencia não só a força e perseverança dessa personagem fictícia, mas acima de tudo a coragem da autora em explorar esses temas num romance original, inventivo e marcante.
Experiência do palco para o livro
Marina Monteiro nasceu em Porto Alegre (RS), em 1982, e vive atualmente entre as capitais Rio de Janeiro (RJ) e Florianópolis (SC). A autora possui licenciatura em teatro pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), e ainda o título de bacharela em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Marina define-se como atriz, arte-educadora, produtora e gestora cultural.
Adquira “Açougueira”, de Marina Monteiro, pelo site da editora Claraboia:
https://www.lojadaclara.com.br
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