O romance do escritor, roteirista e cineasta franco-marfinense Gauz, publicado originalmente na França em 2014 sob o título Debout-Payé, vem acumulando prêmios. Sua edição em inglês foi finalista do International Booker Prize 2023. No Brasil, é traduzido por Diogo Cardoso e publicado pela editora Ercolano sob o título De pé, tá pago.

De pé, tá pago parte de uma cena comum em Paris: homens negros, imigrantes de diferentes países africanos, sobem escadas de prédios comerciais em busca de vagas como seguranças — os chamados “de pé, tá pago”, expressão que sintetiza a condição deles: o salário só é garantido se permanecerem de pé o dia todo.
Do posto de segurança de lojas e grandes magazines, o narrador anônimo — alter ego do próprio Gauz — registra, com humor sulfúrico e ironia afiada, o desfile de clientes, turistas, consumidores em geral e suas manias, seus hábitos, suas contradições. Ao fazer isso, revisita e subverte teorias pseudocientíficas como a fisiognomonia e a frenologia, expondo, com sarcasmo e elegância literária, os estigmas raciais que permeiam as sociedades europeias contemporâneas.
Mas o romance vai muito além do inventário bem-humorado da fauna urbana parisiense. Intercalando essa observação cotidiana com uma narrativa que acompanha as trajetórias de Kassoum e Ossiri — dois marfinenses que chegam à França nos anos 1990 —, Gauz constrói uma crônica da imigração marfinense, da herança colonialista europeia e das mudanças que impactaram profundamente os fluxos migratórios.
“Os negros são robustos, os negros são grandalhões, os negros são fortes, os negros são obedientes, os negros dão medo. Impossível não pensar naquele monte de clichês do bom selvagem que está adormecido de modo atávico tanto em cada um dos brancos responsáveis pelo recrutamento quanto em cada um dos negros que passam a usar esses clichês a seu favor.”
De pé, tá pago
p. 15
Com uma escrita que oscila entre o deboche, a crônica social e a crítica contundente, De pé, tá pago oferece uma leitura que provoca, diverte e obriga a refletir. É, ao mesmo tempo, uma sátira feroz do consumismo, um manifesto contra o racismo estrutural e uma homenagem às diásporas africanas, com seus desafios, dores, estratégias de sobrevivência e potência cultural.
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Sobre o autor:

Gauz nasceu em 1971, em Abidjan, capital da Costa do Marfim. Formado em bioquímica, mudou-se para Paris, onde viveu como imigrante indocumentado e trabalhou como segurança, experiência que inspirou diretamente seu primeiro romance. Além de escritor, é roteirista, cineasta, jornalista e fotógrafo. Seu trabalho transita entre diferentes linguagens, sempre com foco nas questões sociais, culturais e políticas ligadas à África e à diáspora africana. O autor está na programação oficial da Flip 2025.