Possivelmente, a mente de todos nós seja barulhenta. Talvez tenhamos um narrador(a) mental o qual dita, incessantemente, o que devemos ou não fazer em um futuro distante e em uma determinada hora. Nossos pensamentos ficam pulando de galho em galho, assim como macacos. No final, nos perdemos, ficamos frustrados, sem saber o que, de fato, fazer com tantos ruídos mentais. Em seu livro de estreia, Quem está falando na minha cabeça, da editora Labrador, Thaisa Clapham propõe algumas técnicas para lidarmos com os nossos falatórios internos. Ao final de cada capítulo, são propostas algumas atividades e exercícios para o leitor realizar após a leitura.
Por ser instrutora de ioga e meditação, Thaisa utiliza-se de sua vasta experiência para compartilhar com os leitores seus métodos para “[…] nos trazer de volta à fonte do nosso ser, que é silenciosa, vasta e cheia de potencial.” Para a autora, o que atrapalha a serenidade, é a mente- macaco (monkey mind), um conceito budista:
A mente-macaco é o constante falatório do nosso mundo interior que, em sânscrito, é conhecido como vrittis. Os vristtis são as flutuações da mente, muitas vezes referidas como turbilhões. Eles criam distorções e nos impedem de vermos a nós mesmos e ao mundo com clareza. Sejam sensações, imagens, sentimentos ou pensamentos, tudo o que dá origem à forma é essencialmente um produto da mente-macaco. Nossa consciência, portanto, é a única constante.
No entanto, como domar a mente-macaco a fim de poder ter a vida um pouco menos barulhenta? Afinal, estamos, a todo instante, recebendo estímulos, seja dos compromissos cotidianos ou do mundo ultra mega conectado. Bem, primeiro, temos de conhecer nosso macaquinho. Podemos, por exemplo, até dar-lhe um nome, para trazer leveza na caminhada da autodescoberta. Devemos ter intimidade com o animal que habita nosso pensamento e “[…] entender as suas falas, gatilhos emocionais e comportamentos.” Conseguiremos, aos poucos, amansar a ferinha.
Como podemos voltar a nós mesmos? Sem pensamentos negativos ou de autosabotagem? Como esvaziar a mente? A autora sugere sete chaves: respiração; mindfulness (estar atento ao momento presente); comunhão com a natureza; repetição de mantra; gratidão; diário e a meditação. Dessas sete chaves, desejo salientar duas, comunhão com a natureza e a escrita de um diário.
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Estar em comunhão com a natureza é uma forma de se reconectar consigo mesmo. Ao contemplar uma montanha, o mar ou ouvir o canto dos passarinhos, estamos em oposição à produtividade neolibral, longe de metas. O silêncio de uma floresta e o barulho do fluxo dos rios podem aliviar sintomas de ansiedade, angústias e, principalmente, nos reorientar. Outras formas de se conectar com a natureza são colocando os pés descalços na terra, entrando em contato com a água ou tocando numa planta cultivada.
Deixamos a mente fragmentada de lado e entramos em comunhão. Sabe por que nos sentimos assim? Porque, naquele momento, paramos de comparar, criticar, julgar, e a voz do macaco em nossa mente dá lugar ao contentamento e à bem-aventurança. A mente vai serenando, ficando quieta diante da magnitude e esplendor da perfeição da natureza.
Já a escrita do diário seria, simplesmente, a escuta de si. A escrita íntima não exige estética literária ou grandes acontecimentos, o ordinário do dia já é o suficiente para exercitar a atenção e organizar o caos interno. O diário também é responsável por guardar memórias, podendo até acarretar nostalgia de tempos passados. A autora cita que Marco Aurélio, figura conhecida da Roma antiga, possuía o hábito de escrever diários. Grandes nomes da literatura, como Virgínia Woolf e Kafka, escreviam diários como meio de reflexão artística, contudo, como a própria autora diz, não devemos nos preocupar com gramática ou ortografia, estamos escrevendo para nós mesmos.
Existe um mistério escondido dentro de cada um de nós. Esse é o lugar mais próximo e mais distante de ser encontrado. Procuramos por nós mesmos em todos os lugares e esquecemos que a nossa verdade está no silêncio e na quietude. O diário é para você descobrir seus mistérios internos.
Além das sete chaves, em uma oportunidade de entrevistar a autora para o canal no youtube do Jornal Nota, conversamos sobre outra possível chave para domar a mente-macaco, o ócio, especialmente sob a perspectiva de Sêneca. Em Roma, era esperado que um patrício, homem da elite, atuasse em várias esferas sociais, como a política, o judiciário, funções sociais e religiosas. Sêneca, em contrapartida, propõe a prática do ócio: contemplar as maravilhas da natureza e a “[…] investigação dos segredos que ela mantém.” Na nossa conversa, inclusive, sugeri que ler sobre estoicismo e epicurismo sejam boas alternativas para aliviar pensamentos inquietantes.
Silenciar o barulho e controlar a mente-macaco, de fato, não são tarefas simples, porém com passos sutis e feitos cotidianamente, é possível reencontrar-se com o seu interior. É seguir a direção oposta ao barulho contemporâneo. Por meio das setes chaves propostas por Thaisa Clapham, estamos conhecendo-nos a nós mesmos. Podemos, dessa forma, cultivar momentos de presença, seja através da nossa respiração ou da escrita de um diário. Necessitamos de menos estímulos, menos metas e mais silêncio.
Bibliografia:
Sobre a brevidade da vida & sobre o ócio: diálogos estoicos sobre o tempo/ Sêneca; organização, introdução, tradução do latim e notas de Renata Cazarini de Freitas — Petrópolis, Rj: Vozes, 2021- (coleção Vozes de Bolso)
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