Autora de “O menino e o livro”, publicado pela Editora E-Galáxia, traz sua experiência no audiovisual para narrar a história sensível de um menino que encontra refúgio em uma livraria
Com mais de 20 anos de experiência no mercado audiovisual, a roteirista e escritora Andrea Jundi constrói narrativa potente sobre rejeição e abandono parental em “O menino e o livreiro” . O protagonista, um menino de dez anos, mergulha em uma jornada marcada por solidão e desamparo — sentimentos que começam a se transformar a partir da amizade com um livreiro e seu assistente. A relação entre eles, costurada pelo amor aos livros, revela o poder transformador dos afetos e dá o tom esperançoso da obra.

Para a autora, a história é sobre os que partem mas especialmente sobre os que escolhem ficar, e a mensagem central é que sozinho ninguém consegue. “Me inspiro nas relações humanas e em como as pessoas precisam umas das outras”, pontua, e acrescenta: “É sobre como cada um lida com as belezas e durezas da vida e ainda sobre como encontrar seu lugar no mundo”.
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Carlos pensou em consolar Romeo com alguma palavra de conforto, mas não sabia o que dizer e continuou quieto ouvindo.
− Mas nada disso importa. O que importa é o que fazemos da nossa vida enquanto estamos nela. Que cargas você está carregando nos seus vagões? Que paradas vai querer fazer ao longo da viagem? Quais cargas vai deixar passar e quais vai valer a pena levar? Quais serão escolhas suas e quais serão impostas a você? E as que forem impostas, o que vai fazer com elas? Fechar as portas do vagão e tentar não enxergá-las ou arrumar da melhor forma que conseguir pra não precisar esconder?
O menino entendeu tudo. Encostou-se no banco absorvendo. Romeo o olhou e com um longo e profundo suspiro, que até tremeu o peito, finalmente conseguiu dizer:
− Eu quero que você vá viver sua vida. Você tá parado há tempo demais na mesma estação. Eu vou ficar bem, prometo”.
Os capítulos de “O menino e o livreiro” se alternam entre a história de Carlos, o protagonista, entrelaçada a dos personagens que orbitam seu universo, como João, o irmão mais velho, Romeo, o velho livreiro, Pietro, o assistente do livreiro, e Joana, a amiga da escola. A relação entre o garoto e o velho livreiro norteiam a trama que avança à medida que Carlos enfrenta os desafios e conflitos emocionais impostos a ele, entre eles, a moradia em um lar temporário, além do mistério do desaparecimento dos pais.
A autora descreve em detalhe personagens e ambientes, conduzindo o leitor a imaginar cenários e se envolver de maneira intensa com o enredo. Esse talento para a criação imagética Andrea emprestou da experiência adquirida nos mais de 20 anos trabalhando com audiovisual. A ideia para a composição do livro, inclusive, surgiu a partir de uma cena que veio na sua imaginação. “Meus pensamentos são super vívidos e eu via muito nítido na minha cabeça esse menino franzino e ágil percorrendo aos pulos pelas barracas de uma feira, passando por baixo de bancadas e desviando de caixotes e baldes”, revela Andrea e complementa “Eu queria saber quem era esse menino de olhos brilhantes que não me saía da cabeça e porque ele corria tanto”.
Um dos grandes méritos do romance está em inverter a lógica comum às histórias de meninos pobres e abandonados. Em vez de seguir por uma espiral de tragédia, Andrea opta por oferecer a Carlos uma trajetória de descobertas, vínculos e possibilidades. “Sou uma otimista incorrigível e acredito que sempre há pessoas que podem fazer a diferença na vida dos outros, dar novos significados às relações e mostrar um caminho que seja menos doloroso e mais afetuoso”, explica. .
Ainda assim, a obra se desvencilha de uma abordagem ingênua e pouco realista. Os dissabores pertinentes à idade ou à condição social do protagonista estão todos lá, presentes em cada página. Para a autora essa abordagem menos cínica e mais esperançosa de um tema tão delicado também tem lugar e público. “Existem várias formas de falar de temas dolorosos e todos são igualmente necessários”.
Andrea admite que o livro a transformou. “Confrontei as minhas próprias emoções ao colocar essa trama no papel e trabalhar mais profundamente os sentimentos das personagens”, afirma. A autora também revela que fica encantada com a possibilidade de colocar essa história no mundo e habitar a alma do leitor. “Pelo menos enquanto ele estiver com os livros em mãos”, brinca.
Sobre a autora:

Andrea Jundi nasceu no Rio de Janeiro em 1983, mas cresceu em São Paulo. Em 2005 , com 22 anos, formou-se em Comunicação pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Já inserida no mercado de trabalho do audiovisual, mudou-se em 2011 para Londres, Inglaterra, para estudar criação e desenvolvimento de roteiro. De volta ao Brasil, atuou profissionalmente como Assistente de Direção em algumas das maiores produtoras do mercado audiovisual como O2 Filmes, Conspiração Filmes, Mixer e Domo. Em toda sua carreira, nunca deixou de estudar a escrita, tanto em roteiro quanto em escrita literária.
Em 2022 mudou-se novamente, desta vez com a família para Lisboa, Portugal. No país estrangeiro dedicou-se integralmente à escrita e revela que sempre foi apaixonada pelas diferentes formas de contar uma história. “Trabalho com audiovisual há mais de 20 anos vendo as histórias serem criadas, personagens reais cheias de camadas ou ficcionais que imitam a vida”, reflete a autora. “O menino e o livreiro” é resultado de uma década de gestação. Parte desse tempo a história ficou engavetada, sendo retomada em 2022. Durante um ano, Andrea se dedicou ao livro com disciplina, até finalizá-lo em 2023.