Em várias entrevistas, Zoë Saldaña, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Emilia Pérez em 2025, tem declarado que ela e toda a equipe do filme, que venceu apenas duas das treze indicações, gostariam muito de conversar com o povo mexicano a fim de entender como Emilia Pérez poderia ser melhor.
É uma atitude justa, mas quem realmente parece ter feito esta tarefa de casa é a própria Academia. Este ano, a instituição se mostrou mais internacional e criou oportunidades para que povos e classes subrepresentadas estabeleçam o seu soft power.
No ano que inicia a nova era de Donald Trump, marcado pelo endurecimento das políticas de deportação e esmagamento das iniciativas de diversidade, a premiação e os premiados do Oscar 2025 declararam a sua influência e a sua capacidade de não se render à oligarquia de Trump e seu rol de bilionários da tecnologia. A declaração da força por meio da arte e da cultura é o melhor exemplo de soft power.
O que é soft power
De acordo com o professor de direito da USP, Caio Graco, soft power (“poder brando”) é a estratégia para países conquistarem poder e prestígio sem o uso da força. O Oscar conquistado por Ainda estou aqui de Melhor Filme Internacional em 2025 é um excelente exemplo disso como uma forma pela qual o Brasil fortalece a sua imagem e sua autoridade nas relações exteriores sem precisar expor suas riquezas materiais e bélicas.
Na teoria clássica das relações internacionais, o poder é um recurso que se acumula e é utilizado para garantir segurança. As grandes potências o fazem por meio da exposição das suas capacidades tecnológicas, econômicas e bélicas, o chamado hard power (“poder duro”). Aos países e classes menos favorecidas resta estabelecer o próprio poder de formas que não exijam grandes posses e orçamentos.
Nesse contexto, a influência é exercida por meio da cultura e da arte. E nada mais necessário do que declarar a importância de classes oprimidas no ano em que Donald Trump, no cargo de homem mais poderoso mundo, tem elevado a sua política anti-imigratória e protecionista a um extremo que divide até seus apoiadores.
Os exemplos de soft power no Oscar 2025

Além de garantir prestígio para os países, o soft power é usado para garantir mais empatia e apreço a algumas classes. O cinema, por exemplo, é um meio de usar esse poder para fazer as pessoas se sensibilizarem com certas situações sociais, condições humanas e categorias de trabalho.
A lista dos indicados a Melhor Filme em 2025 foi uma ótima seleção nesse sentido. Nela, entre outras grandes narrativas, constavam filmes sobre uma mãe e uma família injustiçada pela ditadura militar no Brasil (Ainda Estou Aqui), a história de uma mulher transsexual fazendo a reparação dos crimes que cometeu no passado (Emilia Perez), a escolha de um novo papa indicando uma lenta evolução da Igreja Católica (Conclave) e a brutalidade e a desumanização vividas por dois meninos pretos enviados a um reformatório segregador nos EUA dos anos 1960 (Nickel Boys).
O grande vencedor da noite, Anora, é de um cineasta que tem uma carreira dedicada a dar visibilidade às classes marginalizadas. Sean Baker escreve, dirige e edita seus filmes e os 5 Oscars que Anora conquistou em 2025 foram uma vitória para a categoria de trabalhadores do sexo, grandemente retratadas nos seus filmes e, especialmente, para a classe dos filmes independentes, uma conquista, inclusive elogiada por Fernanda Torres que destacou a força dos filmes de baixo orçamento e sem grandes aportes para divulgação no Oscar 2025.
O Oscar 2025 foi mais internacionalizado
Hoje, a Academia conta com cerca de 10 mil votantes e o número de eleitores fora de Hollywood e dos Estados Unidos tem aumentado. No Brasil, são mais de 50 votantes, incluindo Walter Salles, Fernanda Montenegro, Alice Braga e Rodrigo Santoro. Isso, sem dúvida, tem contribuído para que a maior festa do cinema no mundo conte com mais obras estrangeiras indicadas e vencedoras.
Na categoria de Melhor Filme, tivemos dois longas de língua não inglesa. Em 2020,Parasita levou 4 estatuetas e aconteceu no Oscar um feito inédito: um filme estrangeiro venceu a categoria de Melhor Filme. Naquele ano, entretanto, o filme vencedor sul-coreano era o único estrangeiro da categoria geral.
Na ocasião, o diretor Bong Joon-Hoo, que também venceu por Melhor Direção, deixou a mensagem de que se a Academia, predominantemente falante de língua inglesa, vencer a barreira da legenda poderá, então, conhecer filmes incríveis.
De lá para cá, a passos ainda lentos, mais nacionalidades tem sido reconhecidas pelo Oscar. A categoria de Melhor Atriz contou com uma atriz brasileira, Fernanda Torres e uma atriz espanhola, Karla Sofía Gascón que, inclusive, é a primeira atriz trans a receber uma indicação ao Oscar.
O vencedor de Melhor Animação foi Flow, um filme da Letônia, e o de Melhor Animação em Curta Metragem foi In the shadow of the Cypress, um filme iraniano cujos criadores, inclusive, disseram no discurso não ter conseguido o visto para permanecer nos EUA.

A vitória de No Other Land, filme palestino sobre as ações militares israelenses em Gaza e na Cisjordânia, em Melhor Documentário foi um grande momento da noite, pois os diretores aproveitaram o discurso para denunciar o genocídio palestino e destacar a “tática de guerrilha” que permitiu que o filme rejeitado por distribuidores norte-americanos estreasse nos EUA e pudesse disputar a premiação.
Apesar de todas as polêmicas levantadas por Emília Pérez, o longa garantiu o Oscar de Melhor Canção Original para uma composição em espanhol, “El Mal”.
O público brasileiro merece uma menção especial no exercício de soft power no Oscar 2025 com o enorme engajamento que gerou na página da Academia no Instagram, o que colaborou com a visibilidade de Ainda Estou Aqui e Fernanda Torres entre os seguidores da instituição no canal. No geral, o apreço do público brasileiro deu à festa do Oscar uma relevância que não se via nos últimos anos.
De forma geral, o cinema em 2025 foi uma grande plataforma para povos e grupos subrepresentados exercerem com sucesso suas estratégias de soft power e para que cada vez mais o público global se familiarize com histórias, vozes e culturas de outras línguas e origens.