Há certa precocidade em taxar certos diretores como “visionários” ou um “grande nome” do gênero. Na época do lançamento de Nós, segundo filme de Jordan Peele, a Variety decretava em sua crítica: “É o novo Spielberg!”. Os colegas de gênero de Peele, Robert Eggers e Ari Aster, receberam tratamento similar, e já em seus primeiros filmes foram alçados a grandes nomes do terror.
De fato, considero A Bruxa e Hereditário grandes filmes do gênero, dignos de toda aclamação, mas fico me perguntando se a hipérbole direcionada a seus realizadores acaba atrapalhando ao invés de ajudar, os inserindo em caixas prontas e já colocando em pedra o que significa ser um filme de Robert Eggers ou Ari Aster.
Digo isso pois Nosferatu, novo filme de Eggers, parece o resultado de uma visão artística engessada que visa, simplesmente, replicar elementos que já deram certo no passado. Há um toque de A Bruxa aqui, com a obsessão por detalhes históricos precisos e uma atmosfera opressiva, fria, cercada de tons de cinza que se desenvolve vagarosamente, carregada em mistério. Mas fora isso, ele em nada se parece com o cineasta que conquistou tanta gente – eu incluso – em 2016. Se em seu debute ele procurava extrair horror e tensão a partir da corrupção das relações familiares, aliado a uma forte iconografia particular, aqui ele lança mão de uma série de ferramentas batidas, como jumpscares, ou elementos usados tão extensivamente dentro da narrativa que, por mais inventivos que pareçam a princípio, acabam perdendo o impacto a partir de diversos usos.
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Por exemplo, a imagem da sombra da mão de Conde Orlok (Bill Skarsgård) é utilizada em dado momento para sinalizar seu avanço sobre uma cidade. Uma bela cena que chamou muita atenção no primeiro trailer do filme. Contudo, quase toda ação de Orlok a partir de então é sinalizada pelo mesmo símbolo. Poderia ser até um belo leitmotiv visual, o problema é que Nosferatu é cercado de repetições, de cenas gravadas da mesma maneira para gerar o mesmo impacto. É um filme composto quase que inteiramente por lentos pans – movimentos laterais com a câmera – para gerar uma espécie de tensão sobre o que pode aparecer logo fora do quadro, ou de cenas onde vemos a silhueta de um personagem diante de um umbral. É tudo muito centralizado, a ponto de me lembrar um filme de Wes Anderson, mas se Anderson cria movimentos dentro da sua simetria, Eggers não faz nada do tipo. Parece mais uma composição pensada para divulgar trechos do filme em Reels ou no TikTok.
A repetição se estende para algumas atuações, especialmente a de Lily-Rose Depp, que interpreta Ellen Hutter, a vítima das afeições de Orlok. Retornando para A Bruxa, se o surto do personagem de Caleb próximo ao final da trama assustava por se tratar de alguém que, até então, era relativamente calmo, Ellen opera do mesmo modo do início ao fim. É como se Eggers tivesse se convencido de que para um filme ser mais assustador, é preciso ter caras e bocas distorcidas sempre que possível.
Além da recorrência de certos elementos, o que torna Nosferatu tão entediante é a necessidade de explicitar cada possível subtexto presente na narrativa, como a simbologia de Orlok como uma expressão do desejo reprimido de Ellen, sublinhada a cada interação dos dois, ou a cada vez que a personagem se refere ao conde com frases do tipo “minha vergonha” ou “eu sou seu apetite”.
Remakes são quase sempre boas oportunidades de dar uma nova perspectiva a um material já conhecido, mas Nosferatu é o pior exemplo do que um remake pode ser: redundante, sendo mais do mesmo não só na mitologia do vampiro, mas até dentro de si mesmo, repetindo os mesmos procedimentos na esperança de atingir algo.
Revisado por: Mariana Perizzolo