Todas as minhas mortes, livro de estreia da artista plástica carioca Paula Klien, publicado pelo Grupo Editorial Citadel, em 2024, é uma narrativa autoficcional que aborda as experiências desde a infância até a fase adulta da protagonista Laví. Num inventário de autodescobertas, permeado de episódios desafiadores e frustrantes, revela também a busca incansável na realização de seu sonho: a maternidade.
Nesse percurso, que envolve desejo, erotismo, provações, perdas, Laví morre incontáveis vezes, como o próprio título já anuncia, e renasce, lembrando a figura mitológica de Fênix. Ao longo da narrativa, as diversas situações vivenciadas remetem a uma dimensão ainda maior – a de que é possível superar e se reerguer a cada adversidade:
“Foram muitas mortes. A partir dali, aprendi a renascer. Perdi as contas de quantas vezes fui reduzida a cinzas e de quantas vezes, das minhas próprias cinzas, voltei.” (KLIEN, 2024, p. 55)
Ao abordar questões femininas com um tom confessional, principalmente aquelas relacionadas ao corpo e à sexualidade, os limites entre o real e o imaginário tornam-se imperceptíveis. A narração em primeira pessoa promove a aproximação dos acontecimentos descritos e permite conhecer de forma mais profunda o íntimo da personagem. Além disso, os relatos objetivos e a forma como são estruturados facilitam a fluidez da narrativa.
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Entre as referências da mitologia, do cinema, da filosofia e outras, a autora foge do convencional e aposta numa linguagem desprovida de pudores. Em alguns casos, até mesmo investe da ironia e do humor, que, num primeiro momento, pode causar estranhamento. No decorrer da leitura, observa-se, no entanto, que predomina a espontaneidade, servindo tanto para expressar os sentimentos quanto os anseios sem inibições ou constrangimentos.
“Não que eu tivesse um caráter transgressor – pelo contrário: sempre tentei me encaixar. Eu apenas queria tirar todas as coisas da minha frente. Como um trator, esmagava dúvidas, incertezas, medos e tudo que causava desconforto. Ao mesmo tempo, me esmagava.” (KLIEN, 2024, p. 43)
Numa mistura de pensamentos, sensações e sentimentos, cada capítulo demonstra as tentativas de se adaptar às circunstâncias que, pouco a pouco, moldam e conduzem a vida da protagonista. Entre os diversos fatos mencionados, ela lida com a descoberta do próprio corpo na infância e as consequências de um aborto na adolescência. Já na fase adulta, enfrenta a complicada gestação e perda de quadrigêmeos e o diagnóstico de infertilidade e, por fim, alcança a gravidez tão almejada e concretizada com o nascimento do filho.
É possível perceber, ainda, certa inquietude ou ansiedade que só pode ser amenizada por intermédio da escrita. Porém, mais que isso, recordar e contar a história é necessário para assimilar e elaborar sentidos aos momentos, incluindo os traumáticos, pois as experiências e as vivências não só constituem o indivíduo, mas podem também ser transformadas em aprendizados.
“A ideia de escrever era antiga. […] senti que as palavras não sossegariam enquanto eu não desse passagem a elas. Foram precisos 53 anos e nove meses para iniciar o descarrego.” (KLIEN, 2024, p. 88)
Diante de tantas mortes metafóricas, simbólicas ou subjetivas que permitem externalizar o sofrimento, bem como ressignificar o presente e direcionar o olhar para o futuro, Laví mostra-se persistente em recomeçar quando é preciso e, desse modo, consegue renascer mais confiante e determinada.
Especificações:
Editora: Citadel
Categoria: Ficção
ISBN: 978-65-5047-414-0
Dimensões: 13.5 x 1.2 x 21 cm
Páginas: 176
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