Guerra Civil (2024), de Alex Garland, é um jogo entre expectativas e imagens. Lançar o olhar para o filme pode nos colocar em algumas armadilhas típicas de um cinema que só repete o status quo, mas que busca dentro deste comum algo de diferença. Como diria Deleuze, é a tentativa de procurar dentro da repetição a marca de diferença.
O filme é interessante porque sabe usar nosso horizonte de expectativas de um filme de guerra com produção estadunidense para subverter um pouco desta própria estrutura e ordem e, com isso, fazer o filme modular e dizer outras coisas. Listo-as aqui.
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Guerra Civil escapa do óbvio porque faz duas escolhas essenciais na composição do filme. Uma delas é histórica, outra delas é temática.
Primeiro, como todos sabemos, os EUA tradicionalmente fazem guerras. Faz parte de sua história desde o massacre indígena nas guerras de tomada do oeste, até as revoltas dos confederados do sul. Porém, é ainda mais histórico que os Estados Unidos gostam de fazer guerras em território alheio. E quando saem deixam um rastro de destruição e, muitas vezes, longas guerras civis.
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É o caso do Vietnã, Afeganistão, Iraque e a lista poderia continuar. Porém, em Guerra Civil, o eixo dessa história está invertido: a guerra acontece dentro de sua própria terra, com insurgentes do próprio povo, numa briga em que o inimigo é você mesmo. E eles mal reconhecem a guerra dentro deles, a coisa parece mesmo uma vertigem, como falou Mia Couto em Terra Sonâmbula sobre a guerra civil de Moçambique.
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Segundo, Guerra Civil poderia ter sido um filme muito comum. Ele inclusive flerta com isso em alguns momentos. Porém, uma escolha impediu que isso se concretizasse: a escolha de narrar a obra do ponto de vista dos jornalistas de várias gerações. Um homem mais velho, uma fotografa com muitos anos de carreira, uma fotografa jovem e um jornalista que procura nas guerras as palavras.
Lembrando que jornalistas são – ao lado de médicos e enfermeiros – aqueles que estão no centro da guerra, mas não portam armas. Que estão no fogo cruzado com uma câmera e um colete e isso deve bastar para protegê-los. Eles são o centro da informação, mas não podem ser assassinados, pelo menos não em uma guerra comum, em que regras básicas de direitos humanos são respeitadas.
Jornalistas são testemunhas.
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Juntando essas duas coisas – uma guerra civil dentro do território e a narração da perspectiva de jornalistas – Guerra Civil deixa de ser um filme sobre uma guerra civil propriamente dita e vai além: passa a ser da tentativa de narrar uma guerra civil e registrá-la por palavras e imagens.
Mas nenhuma guerra deixa palavras pra gente narrar. Guerras são imagens cravadas dentro de quem as viveu.