A história de Luiz Schwarz começa com um terrível evento: o avô e o pai de Luiz estavam sendo enviados para um campo de concentração quando seu avô jogou seu pai ainda criança de um trem em movimento. Seu pai se salvou apenas por isso e nada mais se soube de seu avô, a não ser algumas palavras incertas contadas por aí. Foi provavelmente assassinado num dos campos nazistas.
A depressão de Luiz, então, não nasce apenas de um desequilíbrio químico do corpo, mas de um horror político que traumatizou seu pai e tornou-o silencioso, taciturno, incapaz de dormir a noite. Luiz conviveu com esta espécie de fantasmagoria que vagava insone pela casa, ainda que um homem correto e gentil e foi aprendendo a melancolia. Assim que se percebeu como gente, começou a sentir que algo estava errado: dormia durantes as tardes e sentia que não tinha pleno domínio de seu corpo e de seus pensamentos. Foi logo diagnosticado: tinha depressão.
O Ar Que me Falta é a biografia do escritor e editor Luiz Scwarz, criador e proprietário da editora Companhia das Letras, publicado em 2021. Não é que o livro seja exatamente uma biografia, mas mais uma biografia de sua depressão, como se ele contasse a sua história, sua infância, seu passado, a partir de sua depressão e narrasse a vida pela influência que essa doença teve e tem em suas ações.
Luiz conta, por exemplo, que a depressão afetou profundamente sua relação com seus pais e, principalmente, com sua mãe com quem teve uma relação de proximidade mais pelas tristezas do que pelos encontros possíveis. Conta também que sua memória passa a ser atravessada pelos efeitos dos remédios e dos diversos tratamentos que tentou durante a vida.
Um dos pontos altos dessa biografia da depressão é quando confessa que a doença impõe uma espécie de “totalitarismo”, fazendo com que a sua vida inteira, e de todos ao seu redor, se circunscreva pelos efeitos que esse desiquilíbrio químico e emocional faz no seu corpo:
O sofrimento é tal que não só o paciente precisar se agarrar ao que dizem os médicos: a família se sente vivendo a batida metáfora do túnel, tentando achar alguma luz, que na verdade não há. A vida de todos muda. De repente o enfermo requer atenção exclusiva, rouba os espaços individuais e transforma a família num bloco sob o comando da doença. É uma espécie de totalitarismo da depressão.
Nesses momentos, quem segurou a barra, na maioria das vezes, foi sua esposa, grande pesquisadora e escritora Lilian Schwarz, chamada por ele de Lili, a quem Luiz atribui a grande responsabilidade por ele mantido um mínimo de equilíbrio durante a vida, ainda que oscilando entre os danos e a convivência pacífica com a doença.
Além disso, Luiz relata que os livros escritos – e não publicados – formaram uma espécie de narrativa silenciosa de sua vida. A falta de qualidade dos escritos, mas que representavam fases diferentes das doenças, foram essenciais para montar uma bibliografia invisível dos seus processos interiores, algo como um silêncio de fora que é também um silêncio de dentro.
No fim, ele dá uma boa definição de seu próprio livro que coloca em perspectiva também os atravessamentos de sua classe, ou seja, homem de posses que durante a vida pode se tratar e ter seu quadro psíquico acompanhado por profissionais. Diz:
Queria deixar claro até o final que este é um livro sobre uma infância particular, sobre a doença que marca de várias formas minha vida familiar e de certo modo sobre uma procura incessante, relacionada a meu pai, que tentei transformar em literatura inúmeras vezes, busca que precisava tomar um outro formato. Não escondi no livro minha condição social. Mas a depressão atinge pessoas de todas as classes. Os mais ricos têm melhores condições para identificá-la e tratar dela. Não saúde, como em tudo, nosso país é profundamente injusto.
O Ar Que Me Falta, título que vem da metáfora sobre os ataques de pânico que lembram a ausência de oxigênio em uma montanha em que Luiz costumava esquiar, faz um relato cru de uma vida de sucesso. Um livro confessional, mas nem por isso, íntimo em demasia. É mais que uma biografia de um depressivo, é a própria história da depressão através da vida de alguém.
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