Uma carta não é um relato: é um testemunho, um contar. Carta escreve para onde o olho foi, portanto é também ficção. Entender a carta da chegada dos portugueses no Brasil não como a descrição de uma terra nova, mas como a ficção de um europeu diante de uma nova terra é essencial, tanto para desfazer o status de descobrimento, ou seja, de que se tinha algo a descobrir, tanto para entendermos que esta ficção de viagem faz parte de um projeto, ao mesmo tempo, vencedor e fracassado. Ao lermos a carta, destacamos aquilo que Pero Vaz via e não se encontrava, ou não entendia, mas que admirava. Talvez a flecha que fez Portugal se fascinar e virar um pouco Brasil. Esta carta, repito, é um testemunho e todo testemunho fala muito de nós.
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Isto tomávamos nós assim por o desejarmos; mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois devolveu as contas a quem lhas dera.
E logo que desembarcamos, alguns dos nossos passaram o rio e foram ter com eles. Alguns aguardavam; outros afastavam-se. Era, porém, a coisa, que todos andavam misturados.
e além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos.
Eles porém andam muito bem cuidados e muito limpos. E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou animais monteses, aos quais faz o ar melhor pena e melhor pelo de que às mansas. Porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e tão formosos, que mais não poderia ser. Isto me faz presumir que não têm casas nem moradas em que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem nós ainda até agora não vimos nenhumas casas, nem maneira delas.
Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros, e creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz.
Essa gente é boa e de boa simplicidade.
E imprimir-se-á com ligeireza neles qualquer cunho que lhes queira dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, e por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa.
São muito mais nossos amigos que nós seus.
E, segundo o que a mim e a todos pareceu, a essa gente não lhes falta outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim faziam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm.
A inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior, quanto à vergonha.
Águas são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.
Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza bela deve lançar.
Edição Ediouro, 1999