Esta é mais uma das séries do NotaTerapia: A série Pra Conhecer busca dar espaço para autores incríveis mas, infelizmente, pouco lidos pelo grande público. A ideia é espalhar estas boas leituras o máximo possível, instigando todos e todas a abrirem um espacinho na lista de leituras para um/a autor/a novo/a.
Sejam escritores/as brasileiros/as ou estrangeiros/as, o importante é expandir os horizontes e embarcar na viagem que a literatura proporciona.
O Pra Conhecer #1 é Hilda Hilst.
“É crua a vida. Alça de tripa e metal. Nela despenco.”
Hilda Hilst foi uma poetisa, dramaturga, ficcionista e cronista brasileira. Nascida em 1930 em Campinas, é considerada uma das maiores escritoras de língua portuguesa do século XX. Em 1948, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde conheceu Lygia Fagunde Telles, de quem foi amiga durante toda a vida. Seu primeiro livro, “Presságio”, foi publicado em 1950. Estreou na dramaturgia em 1967 e na ficção em 1970, com “Fluxo Floema”. Ela faleceu em 2004, em Campinas, devido à complicações médicas após uma queda. Após sua morte, seu amigo Mora Fuentes foi o responsável pela criação do Instituto Hilda Hilst (IHH), onde fica sua biblioteca particular.
O escritor e seus múltiplos vem vos dizer adeus.
Tentou na palavra o extremo-tudo
E esboçou-se santo, prostituto e corifeu. A infância
Foi velada: obscura na teia da poesia e da loucura.
A juventude apenas uma lauda de lascívia, de frêmito
Tempo-Nada na página.
Depois, transgressor metalescente de percursos
Colou-se à compaixão, abismos e à sua própria sombra.
Poupem-no o desperdício de explicar o ato de brincar.
A dádiva de antes (a obra) excedeu-se no luxo.
O Caderno Rosa é apenas resíduo de um “Potlatch”.
E hoje, repetindo Bataille:
“Sinto-me livre para fracassar”.
Hilda escreveu mais de 20 livros de poesia, mais de 10 de ficção, além de 8 peças de teatro.
“Hilda pertence ao raro grupo de artistas que conseguiu qualidade excepcional em todos os gêneros literários a que se propôs — poesia, teatro e ficção”. (Anatol Rosenfeld, crítico)
Com comportamento transgressor, a escrita e a vida de Hilda foram corajosas expressões da liberdade. Conforme consta no site oficial do IHH, “Hilda teve uma personalidade marcante e sedutora que ia de encontro aos costumes tradicionais vigentes nos anos 1950, criando-se um folclore ao seu redor que, segundo alguns críticos, até chegou a ofuscar a importância de sua obra”. As temáticas por ela abordadas eram variadas, tendo em comum uma particular e incrível mistura de crueza, delicadeza, força, potência.
Muitos de seus livros tiveram as edições esgotadas, sendo difíceis de encontrar. Hoje, porém, toda a sua obra foi reeditada pela Editora Globo.
“Posso blasfemar muito, mas o meu negócio é o sagrado.”
O NotaTerapia já realizou uma matéria com os 10 melhores poemas de “Da Morte. Odes mínimas”, que pode ser acessado aqui. O livro, que também contém pinturas da autora, tem como tema a morte, lida por Hilda em tom e intensidade únicos.
Nestes trechos de “Contos D’Escárnio”, em Textos Grotescos, fica evidente a força e da potência da escrita de Hilda, sempre regada de crítica, ironia e acidez. Muitos de seus escritos abordaram questões relativas às mulheres, fazendo dela uma ressonância muito importante nos movimentos feministas.
O que eu podia fazer com as mulheres além de foder? Quando eram cultas, simplesmente me enojavam. Não sei se alguns de vocês já foderam com mulher culta ou coisa que o valha. Olhares misteriosos, pequenas citações a cada instante, afagos desprezíveis de mãozinhas sabidas, intempestivos discursos sobre a transitoriedade dos prazeres, mas como adoram o dinheiro as cadelonas! Uma delas, trintona, Flora, advogada que tinha um rabo brancão e a pele lisa igual à baga de jaca, citava Lucrécio enquanto me afagava os culhões e encostava nas bochechas translúcidas a minha caceta: ó Crasso (até aí o texto é dela) e depois Lucrécio: “o homem que vê claro lança de si os negócios e procura antes de tudo compreender a natureza das coisas”. A natureza da própria pomba ela compreendia muito bem. Queria umas três vezes por noite o meu pau rombudo lá dentro. E antes desse meu esforço queria também a minha pobre língua se adentrando frenética naquela caverna vermelhona e úmida. Empapava os lençóis. Era preciso enxugá-la com uma bela toalha felpuda antes de meter na dita cuja. Na hora do gozo ria.
E aí eu tinha que começar tudo de novo, não sem primeiro ouvi-la pedir as sobremesas e os licores. Depois de Josete ter gozado umas dez vezes entre sabiás e musses e álcoois dos mais finos que me custavam um caralhão de dinheiro, levantava-se garbosa, Espártaco antes da derrocada final, naturalmente. Eu ia atrás meio cego mas ainda sedento. Um tal de Ezra Pound, poeta norte-americano, era o xodó de Josete. Ô cara repelente. Um engodo. Invenção de letrados pedantescos. No primeiro dia que ela citou o tal poeta eu lhe disse: meu tio Vlad quando eu era molequinho, tinha crises de loucura quando ouvia esse aí falando numa rádio italiana. O cara era um bom fascistóide, você sabia?
“Não dá pra ser submissa diante de uma besta quadrada.”
No vídeo abaixo, Hilda declama quatro de seus poemas – Do Desejo (V); Da Noite (I); Do Desejo (VIII) e Alcoólicas (I):
Para mais informações sobre Hilda Hilst, você pode seguir o twitter @obscenalucidez e também acessar a página oficial do Instituto Hilda Hilst.