As coisas de verdade habitam as pedras, de Elieni Caputo, é um livro que certamente será apaixonante para os leitores de Clarice Lispector, sobretudo porque a obra de Caputo segue a estrutura de diálogos estabelecida em Um sopro de vida. Como uma grande conversa inserida em uma novela absurdista, acompanhamos a conversa num estilo meio ping-pong entre uma menina e um sapo.
Sempre tive uma grande paixão por livros que trazem a natureza e os animais para dentro de seu universo, algo que se iniciou depois do inseto de Kafka e a barata da própria Clarice. Por conta disso, ter encontrado uma obra que tece essa profunda conversa entre essas duas figuras foi fantástico. E vale pontuar que, ao final do livro, nos sentimos como parte daquele diálogo, já que as páginas de As coisas de verdade habitam as pedras são finitas, mas os pensamentos que se desenrolam a partir das reflexões desenvolvidas, não.
A novela de Caputo pesa (positivamente) em nosso inconsciente, já que, acredito eu, seja impossível passar pelo escrito e não se reconhecer em pelo menos uma das colocações debatidas pela menina e pelo sapo. É bastante curioso que os temas discutidos variam rapidamente, compreendendo polos variados, atingindo uma porção de assuntos existencialistas e que incomodam sobretudo os melancólicos.
Tudo parece partir de uma certa obsessão pelo sapo que a personagem (se é que podemos chamá-la dessa maneira) esbarra na infância. Esse encontro fortuito será apresentado ao leitor logo na primeira página: “Foi aos seis que descobri a eternidade. A imagem era de um sapo engolido pela cobra: já tinha devorado quase metade do anfíbio, quase metade da parte traseira o alimento ainda vivo. Mesmo com a metade dilacerada o sapo permanecia vivo […]. E descobri uma certa inutilidade minha pra salvar alguma coisa porque um ser nesse estado não podia ser salvo, então restava esperar a cobra engolir a outra metade assim cessar a agonia… minha agonia porque o sapo parecia assim… paralisado, até sem dor, morto-vivo”.
“A velhice não é o fenecer, é o toque final do escultor, por isso tem muitos traços, rugas, marcas do trabalho artístico. A velhice é prateada porque ao ouro alquímico se chega na morte.”
Assim sendo, o diálogo passa a ser tecido ao longo das poucas páginas (quem dera tivéssemos mais!) de As coisas de verdade habitam as pedras tem como raiz essa fixação curiosa no sapo que tanto a agonizou aos seis anos. A cena do sapo a ser devorado pela cobra causou tamanho dano na mente da menina que, como ela nos conta, segue pensando no animal mesmo após terem se passado anos desde aquela brutalidade tão natural e cotidiana da vivência dos animais.
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Passando por temáticas como a luta eterna que travamos ao longo da vida, ou pela concepção de que a memória é formada essencialmente pela dor, o leitor constantemente irá se deparar com frases fortes, trechos marcantes e que formigam a mente por tempo indeterminado. Inclusive, o meu exemplar acabou ficando infestado de marcadores, post-its, trechos sublinhados e pensamentos escritos.
Para finalizar, não poderia deixar de mencionar que Elieni Caputo foi uma grande descoberta de 2024. Acredito que essa pequena novela será um verdadeiro descanso para os que são apaixonados pelo absurdo e por boas prosas que se findam nas palavras, mas que são proporcionalmente intermináveis quando fora do papel. E concluo com uma certeza: esse é daqueles livros que crescem cada vez mais conforme envelhecemos e lemos a partir das novas perspectivas que o amadurecimento nos proporciona.
“Quanto mais pressa tenho de viver, mais lido com a lentidão. E se quero permanecer jovem, envelheço. Sinto o peso da existência vagarosa, espero um conhecimento, mas quando chega a novidade, me canso dela em instantes.”
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Quem é Elieni Caputo?
Elieni Caputo nasceu em 1981 e reside em São Paulo, capital. Graduada em Psicologia pela UFSCar e em Letras pela PUC-SP, é mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC, doutoranda em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP e membro do GENAM – Grupo de Estudos e Pesquisa em Literatura, Narrativa e Medicina. Publicou quatro livros: Laço de fita (Quixote +Do, 2022), Violência e brevidade (Penalux, 2020), Casa de barro (Patuá, 2018) e Poema em pó (7Letras, 2006). Seus poemas foram publicados em diversas revistas e coletâneas de concursos literários nacionais e portugueses.