Nascido em 1850 na Grécia, Lafcardio Hearn foi um escritor e jornalista que percorreu diversos lugares até chegar ao Japão, onde encontrou-se enfim: na infância, viveu na Ilha de Laucade, quando seu pai lá servia durante a ocupação inglesa, até que aos seis anos se mudou com a família para a Irlanda, onde ficou órfão cedo e foi criado por uma tia-avó, que o colocou em um internato em Londres e por fim o abandonou, o deixando completamente só, sem posses, aos dezessete anos.
Viveu por alguns anos nos Estados Unidos, onde foi ao encontro de um parente, que também não o ofereceu ajuda, mas foi lá onde iniciou sua carreira na escrita, fazendo crescer as vendas de jornais com suas descrições gráficas de cenas de crimes grotescamente violentos. Segundo Sofia Nestrovksi:
“Kwaidan é uma depuração disso: o horror real do início de sua carreira passa a ser um horror imaginário, e o estilo se desvencilha (não totalmente) do exagero de descrição. […] O que Hearn fez foi expurgar, purificar, refinar” (2023, p. 21).
Ou seja, o escritor que fez sucesso como jornalista, descrevendo cenas mórbidas e reais, agora é conhecido pelo seu trabalho com a cultura japonesa, seus mistérios, magias e peculiaridades. Quando trabalhava nos Estados Unidos, Hearn recebeu uma proposta para ir ao Japão para trabalhar para uma revista.
Apesar de acabar rejeitando a proposta após chegar ao país e descobrir os pormenores de seu contrato e pagamento, foi lá que Hearn se tornou o escritor que hoje conhecemos, também chamado de Koizumi Yakumo (小泉八雲 ), nome que adotou após adquirir cidadania japonesa.
Na edição lançada neste ano pela editora Fósforo, contamos com uma detalhada introdução pela tradutora, Sofia Nestrovksi, sobre a vida e obra do autor, bem como extras que incluem um marca-páginas, um encarte e ilustrações antes de cada conto:
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Hearn tanto se encantou pela cultura local que viveu o resto dos seus dias no país, onde se casou, teve filhos e escreveu diversos livros, dentre eles, Kwaidan: uma coletânea de contos fantásticos inspirados em histórias que sua esposa japonesa, Setsuko, o contava. Os contos são narrativas que a princípio podem parecer simples em estilo, com uma escrita em geral bastante direta e sem rodeios, mas sempre surpreendentes.
Muitos dos mistérios presentes nos contos vêm de lendas japonesas que fazem menção à natureza, como o espírito da neve que surge em forma de uma bela mulher, pessoas cujas almas são atreladas a árvores, um homem que sonha com toda uma existência diferente quando uma borboleta o visita, uma jovem que reencarna para casar com o marido viúvo, goblins, samurais, e até cabeças decapitadas se movendo.
Após os contos, também há uma parte com escritos de Hearn sobre insetos, reflexões muito interessantes sobre as borboletas representarem, na cultura japonesa, a alma de pessoas vivas, ou às vezes dos mortos, mosquitos serem possíveis reencarnações, e a organização e o altruísmo das formigas.
O nome do livro, Kwaidan, é formado por dois kanjis em japonês que significam narrativa misteriosa ou fantasmagórica. O livro também é famoso por sua adaptação cinematográfica de 1964, pelo diretor japonês Masaki Kobayashi.
Uma curiosidade interessante é que Hearn chegara a ser apelidado, na adolescência, de Raven, por sua admiração a Edgar Allan Poe. Inclusive chegou a desenhar um corvo e fazer referência ao conto “O Coração Denunciador” em um bilhete a um amigo:
Conheça mais sobre o livro aqui:
https://www.fosforoeditora.com.br/catalogo/kwaidan-lafcadio-hearn/