Você quer conhecer os melhores poemas de Mallarmé? Mallarmé nasceu em Paris em 1842. O poeta simbolista foi professor de inglês durante cerca de 30 anos e seus primeiros poemas só apareceram na década de 1860. O livro Hérodiade (Herodíades) é de 1869. Em seguida, vem L’Après-Midi d’un Faune (A Tarde de um Fauno), de 1876, obra que inspirou o prelúdio homônimo do compositor Claude Debussy (1894) e foi ilustrada pelo pintor Édouard Manet.
Mallarmé, como boa parte dos poetas de sua época, começou a escrever sob a inescapável influência de Charles Baudelaire. Consta que ele compôs seu poema “Brisa Marinha” (“A carne é triste, sim, e eu li todos os livros”) depois de ler os versos devastadores de As Flores do Mal.
Durante os anos 1880, Mallarmé foi a figura central de um grupo de escritores, entre os quais o poeta Paul Valéry e os romancistas André Gide e Marcel Proust, com quem discutia sobre poesia e arte. O poeta escreveu vários outros livros e morreu em 1898. Embora L’Après-Midi d’un Faune seja sua obra mais conhecida, o poema experimental Un Coup de Dés (Um Lance de Dados), escrito em 1897 mas só publicado postumamente, em 1914, é a obra de Mallarmé que causou mais barulho.
O NotaTerapia separou os melhores poemas de Mallarmé. Confira aqui:
Brisa marinha (Brise marine)
A carne é triste e eu, aí! já li todos os livros.
Fugir! Fugir p’ra longe. Oiço as aves aos gritos
Ébrias na espuma ignota e sob o céu, em bando!
Nada, nem vãos jardins nos olhos se espelhando
Retém meu coração que se embebe de mar,
Oh noite! nem a luz da candeia a alumiar
O deserto papel que a brancura defende;
Nem mesmo jovem mãe que seu filho amamente.
Hei-de partir! Vapor em marítimas crises,
Iça o ferro e faz rumo a exóticos países.
Um tédio triste, em cruel e inútil esperar,
Crê no supremo adeus dos lenços a acenar.
Que os mastros, porventura, atraindo presságios,
São os mesmos que um vento inclina nos naufrágios.
Soltos no mar, no mar, sem ilhas nem esteiros.
Mas ouve, coração, cantar os marinheiros.
Tradução de Herculano de Carvalho
A tarde de um fauno
Quero perpetuar essas ninfas.
Tão claro
Seu ligeiro encarnado a voltear no ar
Espesso de mormaço e sonos.
Sonhei ou…?
Borra de muita noite, a dúvida se acaba
Em mil ramos sutis a imitar a mata,
Prova infeliz de que eu sozinho me ofertava
À guisa de triunfo a ausência ideal das rosas.
Reflitamos…
E se essas moças, minhas glosas,
Não passarem de sonho e senso fabulosos?
Fauno, dos olhos da mais casta, azuis e frios,
Flui a ilusão com uma fonte em prantos, rios:
Mas, em contraste, o hálito da outra, arfante,
Não é o sopro de um dia quente nos teus pelos?
Mas, não! No pasmo exausto e imóvel, a manhã
Se debate em calor para manter-se fresca
E água não canta que da avena eu não derrame
No bosque irrigado de acordes – e o só sopro
Que flui da flauta dupla prestes a exalar-se
Pronto a extinguir-se antes que se disperse em chuva
Estéril, é somente o sopro no horizonte
Sem uma ruga a perturbá-lo, da visível
E calma inspiração artificial do céu.
Ó orla siciliana das baixadas calmas,
Que êmula de sóis, minha vaidade pilha,
Sob centelhas de flores, taciturno, CONTE
“Que aqui com arte e engenho vinha eu domar
Caules ocos no glauco ouro azul de longínquos
Verdes, às fontes dedicando seus vinhedos,
E ondulava um brancor animal em repouso:
E que ao prelúdio lento em que nascem as flautas,
Este vôo de cisnes, ou náiades! foge
Ou mergulha…
Arde a tarde inerte na hora fulva
Sem traço da arte vária pela qual fugiu
Tanta núpcia ansiada por quem busca o la:
Despertarei então à devoção primeira,
De pé e só sob uma luz que flui de outrora,
Lírio! e um de vós todos pela ingenuidade.
Mais que esse doce nada, arrulho de seus lábios
O beijo que, bem baixo, é perfídia segura,
Atesta uma mordida este meu seio virgem,
Misteriosa marca de algum dente augusto;
Mas, chega! que esse arcano elege por amigo
O junco vasto e gêmeo sob o céu tocado:
Ei-lo que chama a si a turbação da face
E num extenso solo sonha que entretemos
A beleza ao redor, mediante confusões
Falsas entre ela própria e o nosso canto crédulo –
E tanto quanto alcance um módulo amoroso
Faz que se esvaia a ilusão banal de dorso
Ou de lado, seguidos pelo olhar sem ver,
Uma linha monótona, sonora e vã.
Volta, pois, instrumento de fugas, maligna
Flauta, a reflorescer nos lagos onde me ouves:
Do meu tropel cioso, irei falar de deusas
Por muito tempo – e em muita pintura profana
À sua sombra hei ainda hei de enlaçar cinturas;
E quando a luz das uvas tenha eu sorvido
Banindo um dissabor por fingimento oculto,
Gozador, ao verão do céu oferto os bagos
E soprando nas peles translúcidas, ávido
E ébrio, fico olhando através até a noite.
Reavivemos, ninfas, LEMBRANÇAS diversas.
“Pelos juncos, o olhar violava as colinas
Imortais, que afogam na onda a queimadura,
Soltando gritos de ira contra o céu da mata;
E o banho esplendoroso dos cabelos some
Em calafrios e claridades, pedrarias!
Precipito-me – e eis a meus pés, enroscadas
Langorosas haurindo esse mal de ser dois,
Duas carnes dormindo entre os braços do acaso:
Sem desfazer o enlace, arrebato-as e alcanço
Rumo a esse alcatife, odiado pela frívola
Sombra, de rosas desperfumando-se ao sol,
Para esse embate igual ao dia que se consome.
Ó cólera das virgens, eu te adoro, gozo
Feroz do fardo nu e sagrado que se esquiva,
Fugindo à boca em água ardente, quando um raio
Faz tremer! o temor mais secreto da carne:
Dos pés da desumana ao peito da mais tímida
Que a pureza abandona, orvalhada ora por
Lágrimas tristes ou não tão tristes vapores.
Meu crime foi o de ter, contente de vencer
Temores infiéis, partido ao meio a moita
De beijos, pelos deuses tão bem guarnecida;
Sob as pregas felizes de uma só (guardando
Com simples dedo, a fim que o seu candor de pena
Se maculasse na emoção de sua irmã –
Aquela que é pequena, ingênua e não se peja:)
Que de meus braços moles por delíquios vagos
Liberta-se essa presa para sempre ingrata,
Sem pena do soluço ainda em mim cativo.
Azar! Hão de arrastar-me outras ao prazer,
As tranças emaranhando aos chifres desta fronte:
Tu sabes, vida minha: púrpura e madura
Toda romã estala em zumbidos de abelhas;
E o nosso sangue, amante de quem vai sugá-lo,
Escorre pelo eterno enxame do desejo.
Na hora em que se banha o bosque em cinza e ouro,
Uma festa se exalta na ramada extinta:
Etna! É em meio a ti, visitado por Vênus,
Pousando em tua lava o calcanhar ingênuo
Se troa um sono triste ou desfalece a flama.
Minha, a rainha!
Ó, punição…
Não, mas a alma
Vazia de palavras e este corpo espesso
Tarde sucumbem ao silêncio meridiano:
Sem mais, dormir no esquecimento da blasfêmia,
Na areia ressupino e sedento – e sequioso
Oferecer a boca ao astro audaz dos vinhos!
Ninfas, adeus: vou ver a sombra que vos tornais.
Tradução: Décio Pignatari
Folha de álbum
De repente e como por jogo
Mademoiselle que declaras
Querer despertar um pouco
O som de minhas flautas raras
Este ensaio que já começa
A uma paisagem anteposto
Só se resolve quando cessa
para te olhar em pleno rosto
Sim o vão sopro que sofreio
Até o último limite
Em meus dedos dormidos sei-o
Escasso para que ele imite
Tão claro e natural a soar
Teu riso em flor que abraça o ar.
Brinde
Tradução de Augusto de Campos
Nada, esta espuma, virgem verso
A não designar mais que a copa;
Ao longe se afoga uma tropa
De sereias vária ao inverso.
Navegamos, ó meus fraternos
Amigos, eu já sobre a popa
Vós a proa em pompa que topa
A onda de raios e de invernos;
Uma embriaguez me faz arauto
Sem medo ao jogo do mar alto,
Para erguer, de pé, este brinde
Solitude, recife, estrela
A não importa o que há no fim de
Um branco afã de nossa vela.
Veja também: Os 10 melhores poemas de William Shakespeare

Um Lance de Dados
JAMAIS
MESMO ATIRADO EM CIRCUNSTÂNCIAS ETERNAS
DO FUNDO DUM NAUFRÁGIO
PORQUE o Abismo
Branco se expõe furioso
sob uma inclinação desesperadamente plana d’ asa a sua
recaída prévia dum mal de se erguer no voo cobrindo os impulsos cortando rente os ímpetos
no âmago se resume
a sombra que se afunda nas profundas nessa alternativa vela
para adaptar a tal envergadura as suas horríveis profundas como o arcaboiço
duma construção que balança dum lado para o outro
O MESTRE
emerge inferindo
dessa conflagração
que se
como uma ameaça
o único Número que não pode
hesitacadáver descartadoem lugar de jogar como um velho maníaco a partida em nome das marés
um
naufrágio assimlivre dos antigos cálculos esquecido o manobrar com a idade
outrora ele empunhava o leme
a seus pés num horizonte unânimeprepara se agita e se envolve no punho que o ligaráao destino dos ventos
ser um outro
Espírito para o Lançar na tempestade e redobrar a divisão e passar altivo
pelo braço do segredo que encerra
invadiu o comandantecorrendo pela barba submersa
vindo do homem
sem nau insignificante onde será vão
ancestralmente abrir ou não a mão crispada além duma cabeça inútil
legada em desaparição a alguém ambíguo
imemorial ulterior demónio
nos seus lugares do nada
induzo ancião a essa conjunção suprema com a probabilidade
o tal da sombra puerilacariciada e polida aparada e lavada amaciada pela onda e afastada dos ossos duros perdidos em bocejos
nascido dum descuidojogando o mar por antepassado ou o antepassado contra o mar numa sorte ociosa
São núpcias
da qual a ilusão é uma vela solta obcecadacom o fantasma dum gesto
que oscila até cair na loucura
NÃO ABOLIRÁ
TAL COMO
Uma insinuação
ao silêncio
em algo próximo
esvoaça
simples
envolta em ironia ou precipitado uivado mistério
dum turbilhão hilariante e horrível
em redor do abismo sem nele se fixar nem fugir a embalar todo o indício virgem TAL COMO
perdida solitária pena
Salvoquando o encontro ou o aflorar do toqueda meia-noite a deixa imóvel no veludo amarrotado por um riso sombrio
essa brancura rígida
irrisória que se opõe ao céu demasiado para que não deixe marcas exíguas em qualquer amargo príncipe de escolhos
e que disso se enfeita como de irresistível heroísmo que sabe contido pela sua curta e viril razão em cólera
inquieto expiatório e púbere calado
A lúcida e senhorial cristana fonte invisível cintilae depois sombreiauma estatura gentil e tenebrosana sua torção de sereia
através de impacientes escamas
Riso que Se
de vertigem
de pé o tempo de esbofetearbifurcadas
numa rocha
falsa mansão
evaporada na bruma
que impôs fronteiras ao infinito
ERAde origem estelar
Ou SERIA pior nem mais nem menos indiferentemente mas tanto
O NÚMERO
SE EXISTISSEdiverso da alucinação esparsa da agonia
COMECASSE OU FINDASSEensucedor e não negado e preso quando aparecesse enfim através duma profusão ampliada e rara SE CONTASSE
Como evidência da soma pouca uma SE ILUMINASSE
O ACASO
Cai a pena rítmica suspensa do sinistro para se afundar na espuma original recente onde explode o delírio até ao cimo desvanecido pela neutralidade idêntica do abismo
NADA
da memorável crise em que teve lugaro acontecimentohavido em vista de qualquerresultado nulo humano
TERÁ TIDO LUGAR uma simples ascensão na direcção da ausência
SENÃO O LUGAR inferior marulhar comopara dispersar um acto vazio abruptamente e através da mentira decidir a sua perdição
nestas paragens do vago
em que toda a realidade se dissolve
EXCEPTO a altitude TALVEZ tão longe como o lugar
que com o além se funde longe do interesse que em geral se lhe assinalasegundo esta obliquidade ou aqueladelectividade de fogos
para esse lugar que deve ser o Setentrião também chamado Norte
UMA CONSTELAÇÃO
arrefece no olvido e no desuso mesmo que ela enumere em qualquer vaga e superior superfície o choque sideral e sucessivo do cálculo total em formação
velando duvidando brilhando e meditando
antes de se deter em qualquer ponto derradeiro que o sagra
Todo o Pensamento produz um Lance de Dados
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*POEMA PUBLICADO NA VERSÃO PORTUGUESA EM «A TARDE DUM FAUNO» E «UM LANCE DE DADOS» PELA EDITORA RELÓGIO D’ÁGUA
Cansado do ócio amargo…
Cansado do ócio amargo onde meu tédio humilha
A gloria que me fez perder outrora a trilha
De uma infância de bosques e de rosas, puro.
Azul matico e, ainda mais, do pacto duro.
De cavar toda noite uma fossa imponente
No território avaro e hostil da minha mente,
Coebeiro impiedoso da esterilidade,
– Quer dizer a esta Aurora, ó Sonho, infinidade
De rosas, se, temor de suas rosas frias,
O vasto cemitério une as valas vazias? –
Quero deixar a Arte voraz deste país
Cruel, e sem ouvir as críticas senis
Dos meus amigos, do passado, da poesia,
Da lâmpada que sabe da minha agonia,
Imitar o chinês de alma límpida e fina
Cujo êxtase puro é pintar a ruína
Sobre taças de neve à lua subtraída
De uma bizarra flor que lhe perfuma a vida
Fluida, a flor que ele sentia ainda criança,
E à filigrana azul do espirito se entrança.
E como a morte, único sonho do saber,
Sereno, uma paisagem cálida escolher,
Que eu pintarei, indiferente, sobre a taça.
Uma linha de azul fina e pálida traça
Um lago, sob o céu de porcelana rara,
Um crescente caído atrás da nuvem clara
Molha no vidro de água um dos cornos aduncos
Junto a três grandes cílios de esmeralda, juncos.
1864
Triunfalmente a fugir…
Triunfalmente a fugir o belo suicida,
Tição de glória, espuma em sangue, ouro, tormenta!
Oh! riso se me chama a púrpura perdida
Ao cortejo real da tumba que me tenta.
Não! de todo o fulgor nem mesmo se sustenta
Um brilho, é meia-noite e a sombra nos convida,
Salvo o tesouro audaz que uma cabeça ostenta
No mimado torpor sem lume em que é servida.
A tua, sempre, sim, delícia que me vem,
A única que do céu extinto ainda retém
No meu pentear, pueril, um pouco da triunfante
Luz, quando a pousas, só, entre as dobras sedosas,
Capacete imortal de imperatriz infante
De onde, para espelhar-te, choveriam rosas.
Angústia
Não vim domar teu corpo esta noite, ó cadela
Que encerras os pecados de um povo, ou cavar
Em teus cabelos torpes a triste procela
No incurável fastio em meu beijo a vazar:
Busco em teu leito o sono atroz sem devaneios
Pairando sob ignotas telas do remorso,
E que possas gozar após negros enleios,
Tu que acima do nada sabes mais que os mortos:
Pois o Vício, a roer minha nata nobreza,
Tal como a ti marcou-me de esterilidade,
Mas enquanto teu seio de pedra é cidade.
De um coração que crime algum fere com presas,
Pálido, fujo, nulo, envolto em meu sudário,
Com medo de morrer pois durmo solitário.
O Acaso
Cai
a pluma
rítmico suspense do sinistro
nas espumas primordiais
de onde há pouco sobressaltara seu delírio a um cimo fenescido
pela neutralidade idêntica do abismo
Fonte:
https://viciodapoesia.com/2012/07/27/stephane-mallarme-1842-1898-brisa-marinha/
https://escamandro.wordpress.com/2014/04/29/a-tarde-de-um-fauno/
http://www.elfikurten.com.br/2014/08/stephane-mallarme.html
https://www.revistapunkto.com/2011/01/re-reading-um-lance-de-dados-mallarme_8423.html
https://www.poemhunter.com/st-phane-mallarm-2/poems/
https://www.escritas.org/pt/stephane-mallarme

