A frase que me veio quando terminei de ler A Visita da Velha Senhora, de Friedrich Dürrenmatt é “o presente é um passado que retorna”. Isso porque o presente, esse fio ínfimo imprensado entre dois fios imensos – passado e futuro – é sempre atravessado pelos tempos, como se carregasse nas costas a pedra antes de subir o morro, como Sísifo.
A grande questão deste passado que nos visita no presente, como no caso da peça, é que o presente traz um passado que não mais se preserva como memória ou como lembrança, mas como materialidade transformada. Como massa e reflexos dos efeitos dos muitos passados nos corpos das pessoas. É este o caso de um dos maiores clássicos da dramaturgia mundial: A Visita da Velha Senhora.
O livro conta a história de uma pequena cidade que vive um empobrecimento de sua população. Fábricas estão sendo fechadas, o comércio vive abandonado. Por conta disso, os trens passam cada vez mais raramente pelas estações, levando cada vez menos pessoas a visitar o local. Até que chega uma senhora que fora uma antiga moradora da cidade e se tornara muito rica. Ela chega com a promessa de doar um bilhão para refazer a cidade, metade para a prefeitura e metade para a população. A cidade a recebe com festas, jantares, corais, danças, até que ela dá sua condição. Ela doará o dinheiro assim que alguém matar Schill, um sujeito que havia sido seu namorado e amante no passado.
O mundo fez de mim uma mulher da vida e eu quero fazer dele um bordel. Quem não tem dinheiro e quer entrar na dança, que aguente firme. Vocês quiseram entrar na dança. Pessoa decente é somente quem paga.
O relato de Claire Zahanassian, a Velha Senhora, é de que ela e Schill eram amantes no passado. Um dia, porém, ao engravidar, ele se recusou a cuidar do filho e, ainda por cima, subornara dois homens para relatar que haviam tido relações sexuais com Claire. Desmoralizada, ela saiu da cidade, se tornou prostituta, mas casou novamente e se tornou multimilionária. Agora, a cidade vive este dilema moral: tirar uma vida para salvar as outras ou não?
Eu tenho medo, Schill, exatamente como o senhor teve medo. E sei, ainda, que, algum dia, chegará uma velha senhora também para nós e que, então, se passará conosco o que, agora, se passa com o senhor.
A peça é repleta de humor e de personagens próximos do absurdo. Podemos ver a presença de três maridos da Velha Senhora (o 7º, o 8º e o º9, se não falha a memória); os dois homens que foram transformados em eunucos; um estranho mordomo e dois matadores de aluguel;
Com eles, Durrenmatt cria uma das maiores parábolas dos dilemas morais modernos e uma das mais brutais críticas a todos os tipos de instituições. Do estado à família, da moral à igreja, do amor à maternidade/paternidade, tudo está corroído por uma inescapável forma humana de destruição.
1 comentário
Eu vi a peça na encenação de Denise Fraga. Deliciosa montagem. Toda a situação é angustiante, mas anda lado a lado com o humor e traz mesmo essa nota de que o passado volta de alguma forma. Por curiosidade, o livro Tieta do Agreste, do Jorge Amado, é uma releitura da peça.