A literatura africana, apesar de muito plural, é pouco conhecida ao redor do mundo. Caberia, inclusive, dizer que não há uma literatura africana, mas literaturas africanas, com características diversas e múltiplas que não podem sequer ser encaixadas em um único critério.
Uma das escritoras que mais tem se destacado nos últimos anos é a nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie. Com suas obras, ela acabou por trazer consigo também uma série de outros autores e autoras que, por sua vez, trazem consigo mais autores. Ou seja, a ideia é que um livro traga mais livros e uma autora traga mais autores. No seu livro de contos No seu Pescoço, ela cita três autores africanos e eu, curioso, fui procurar sobre eles e indico aqui, junto com ela, pra vocês.
Veja também nosso papo sobre o livro:
Amos Tutuola

Ele foi um escritor nigeriano que publicou livros baseados parcialmente em contos populares iorubás. Apesar de sua pouca educação formal, Tutuola escreveu seus romances em inglês. Os trabalhos de Tutuola foram traduzidos para 11 idiomas, incluindo francês, alemão, russo e polonês. Alguns tradutores, notadamente Raymond Queneau (francês) e Ernestyna Skurjat (polonês), ajustaram deliberadamente a gramática e sintaxe das traduções, para refletir a linguagem ocasionalmente atípica da prosa original de Tutuola.
Seu romance mais conhecido é O Bebedor de Vinho da Palmeira, uma história que, segundo resenha de Érika Batista (que você pode ler completa aqui!) conta a história de contando de um sujeito cujo “principal hábito na vida, desde pequeno, é beber vinho de palmeira. Seu pai é muito rico, tem uma fazenda de palmeiras só para manter-lhe o vício, e eles têm um mestre que, todos os dias, prepara N de vinho fresco para matar a sede do narrador e de seus amigos.”
Okot p’Bitek

Okot p’Bitek era um poeta de Uganda, que alcançou amplo reconhecimento internacional por Song of Lawino, um longo poema que lida com as tribulações de uma esposa africana rural cujo marido assumiu a vida urbana e deseja que tudo seja ocidentalizado. Confira um trecho do poema disponível em Portal Ritissima:
CANÇÃO DE LAWINO
Meu marido leu muito com os Brancos
Leu tudo, em profundidade.
É tão instruído quanto os Brancos.
Mas a leitura o destruiu,
Separou-o de seu povo.
Ele é como um tronco sem raízes.
Ele objeta tudo o que é acholi
E diz
Que os costumes dos Negros
São Negros
Porque seus olhos rebentaram.
E ele usa óculos pretos
E em sua casa há uma escuridão de floresta!
A casa de meu marido
É uma floresta de livros!
Alguns deles são imensos,
Grandes como as árvores tido.
Alguns deles são velhos,
Com suas cascas se soltando.
E têm cheiro forte;
Outros são finos e moles
E outros têm dorsos
Duros como o tronco de rocha
Das árvores poi.
Alguns são verdes,
Outros rubros como sangue,
Outros pretos e oleosos
Com dorsos que brilham
Como a serpente venenosa ororo
Enrodilhada em cima de uma árvore.
Alguns têm figuras no dorso,
Rostos de homens e mulheres que parecem bruxos
Barbados, orgulhosos,
Com grandes barrigas,
Com faces encovadas e ares
Rabugentos, vingativos,
Figuras de mulheres e de homens
Há muito tempo mortos.
A mesa de meu marido é recoberta
De uma pilha assustadora de papéis,
Como plantas gigantescas
Crescendo nas florestas
Ou a árvore kituba
Que mata as outras árvores,
As sufoca.
A casa de meu marido
É uma enorme selva de livros.
Ela é escura, tudo nela é diluído,
Um vapor quente, espesso,
Envenenado,
Ergue-se do chão
E se mistura à penetrante umidade
Do ar
E às gotas de chuva que se juntam
Nas folhas.
Sufoca-se
Quando se fica lá por muito tempo,
Arruína-se a língua e o nariz,
A ponto de não se poder mais
Sentir o refrescante odor do óleo
de sésamo
Nem o gosto do malakwang.
Nawal el Saadawi

Nawal al-Sa’dawi, foi uma escritora, médica, psiquiatra e feminista egípcia. Escreveu muitos livros sobre o tema das mulheres no Islã, prestando especial atenção à prática da mutilação genital feminina em sua sociedade. Ela foi descrita como “a Simone de Beauvoir do mundo árabe”.

Uma das suas principais obras é A Mulher com Olhos de Fogo – O Despertar Feminista. “Esta ficção é baseada no relato verdadeiro de uma mulher que espera sua execução em uma prisão no Egito. Sua história chega até a autora, que resolve conhecer Firdaus para entender o que levou aquela prisioneira a um ponto tão crítico de sua existência .“Deixe-me falar. Não me interrompa. Não tenho tempo para ouvir você”, começa Firdaus. E ela prossegue contando sobre como foi crescer na miséria, sua mutilação genital, ser violada por membros da família, casar ainda adolescente com um homem muito mais velho, ser espancada frequentemente, e ter de se prostituir… até que, num ato de rebeldia, reuniu coragem para matar um de seus agressores, levando-a à prisão.
Esse relato é um implacável desafio a nossa sociedade. Fala de uma vida desprovida de escolhas, mas que em meio ao desespero encontra caminhos. E, por mais sombrio que isso possa parecer, sua narrativa nos convida a experimentar um pouco dessa liberdade encorajadora através das transformações internas de Firdaus. O que acontece com ela é o despertar feminista de uma mulher.
Um dos livros mais francos e radicais sobre a vida feminina, de todas as origens, em todas as partes do mundo.” THE GUARDIAN