José Saramago (1922-2010) destacou-se como um dos maiores nomes da literatura portuguesa contemporânea. Escreveu inúmeras obras literárias e foi premiado diversas vezes. Entre os prêmios, destacam-se o Prêmio Camões (1995) e Prêmio Nobel de Literatura (1998).
Exerceu várias profissões como serralheiro, desenhista, funcionário público e jornalista, antes de se dedicar somente à literatura, a partir de 1976. Sempre atento ao mundo que o cercava, expressava seu pensamento e suas ideias de forma crítica e contundente.
Eu sei o que é, sei o que digo, sei por que o digo e prevejo, normalmente, as consequências daquilo que digo. Mas não é por um desejo gratuito de provocar as pessoas ou as instituições. Pode ser que se sintam provocadas, mas aí o problema já é delas. A pergunta que faço é por que é que eu me hei de calar quando acontece alguma coisa que mereceria um comentário mais ou menos ácido ou mais ou menos violento. Se andássemos por aí a dizer exatamente o que pensamos — quando valesse a pena —, teríamos outra forma de viver. Estamos numa apatia que parece que se tornou congênita e sinto-me obrigado a dizer o que penso sobre aquilo que me parece importante.
José Saramago, 2008
O livro As palavras de Saramago, organizado por Fernando Gómez Aguilera, reúne inúmeros trechos extraídos de jornais, revistas e livros de entrevistas do autor, publicados em diversos países, entre os anos 1970 a 2009. Os textos estão organizados cronologicamente dentro de recorrentes temas abordados pelo escritor. A obra, dividida em três eixos centrais, apresenta na primeira parte comentários sobre sua infância, os lugares onde morou, a formação autodidata e a trajetória pessoal. A segunda parte traz manifestações sobre o ofício literário e o papel do escritor; e, a última, traz reflexões do cidadão sobre política e sociedade. Nas declarações, é possível conhecer um pouco mais da essência desse talentoso autor, bem como suas ideias e seu processo criativo.
Confira também a resenha publicada no site do Notaterapia sobre a primeira biografia de Saramago, lançada em 2009, pelo pesquisador João Marques Lopes. E, para quem gosta de filme, conheça também as obras do autor adaptadas para o cinema.
Selecionamos as melhores declarações de Saramago:
AUTORRETRATO
Sou um ateu com uma atitude religiosa e vivo muito em paz.
Penso saber que o amor não tem nada que ver com a idade, como acontece com qualquer outro sentimento. Quando se fala de uma época a que se chamaria de descoberta do amor, eu penso que essa é uma maneira redutora de ver as relações entre as pessoas vivas. O que acontece é que há toda uma história nem sempre feliz do amor que faz que seja entendido que o amor numa certa idade seja natural, e que noutra idade extrema poderia ser ridículo. Isso é uma ideia que ofende a disponibilidade de entrega de uma pessoa a outra, que é em que consiste o amor. Eu não digo isto por ter a minha idade e a relação de amor que vivo. Aprendi que o sentimento do amor não é mais nem menos forte conforme as idades, o amor é uma possibilidade de uma vida inteira, e se acontece, há que recebê-lo. Normalmente, quem tem ideias que não vão neste sentido, e que tendem a menosprezar o amor como fator de realização total e pessoal, são aqueles que não tiveram o privilégio de vivê-lo, aqueles a quem não aconteceu esse mistério.
O único valor que considero revolucionário é a bondade, que é a única coisa que conta.
Tudo é tão relativo… O que é a fama?, o que é o sucesso?, o que é o triunfo? Parece que sim, que tudo isso é alguma coisa, mas se levarmos em conta que temos uma pequena vida, que, mesmo quando ela é longa, sempre é pequena, tudo resulta ser nada. Se considerarmos que a eternidade não existe e que existe menos ainda a eternidade das coisas que fazemos, que tudo é precário, que o que hoje é amanhã não será, se levarmos em conta isso tudo, creio que a fama não é nada.
Aparentemente, sim, estou inteiro [apesar de conhecer as feridas do mundo]. Mas quem me conhece bem sabe que sangro por dentro. Todos os dias a todas as horas. Sou, em carne e em espírito, um grito de dor e indignação.
Quando eu morrer… se pusessem uma lápide no lugar onde ficarei, poderia ser algo assim: “Aqui jaz, indignado, fulano de tal”. Indignado, claro, por duas razões: a primeira, por já não estar vivo, o que é um motivo bastante forte para indignar-se; e a segunda, mais séria, indignado por ter entrado num mundo injusto e ter saído de um mundo injusto. Mas temos de continuar, de continuar andando, temos de continuar.
Nem as derrotas nem as vitórias são definitivas. Isso dá uma esperança aos derrotados, e deveria dar uma lição de humildade aos vitoriosos.
A felicidade consiste em dar passos em direção a si mesmo e olhar o que você é.
ESCRITOR
Dentro ou fora de mim, cada dia acontece algo que me surpreende, algo que me comove, desde a possibilidade do impossível até todos os sonhos e ilusões. Essa é a matéria da minha escrita, por isso escrevo e por isso me sinto tão bem escrevendo aquilo que sinto.
No fundo, todos temos necessidade de dizer quem somos e o que é que estamos fazendo, e a necessidade de deixar algo feito, porque esta vida não é eterna e deixar coisas feitas pode ser uma forma de eternidade.
ROMANCE
Não escrevo livros para contar histórias, só. No fundo, provavelmente eu não seja um romancista. Sou um ensaísta, sou alguém que escreve ensaios com personagens. Creio que é assim: cada romance meu é o lugar de uma reflexão sobre determinado aspecto da vida que me preocupa. Invento histórias para exprimir preocupações, interrogações…
MULHER
As minhas personagens verdadeiramente fortes, verdadeiramente sólidas são sempre figuras femininas. Não é porque eu tenha decidido, é porque sai-me assim. Não há nada de premeditado. Provavelmente isso resulta de que parte da humanidade em que eu ainda tenho esperança é a mulher. E estou à espera, já há demasiado tempo, que a mulher se decida a tomar no mundo o papel que não seja o de uma mera competidora do homem. Se é só para ocupar o lugar que o homem tem desempenhado ao longo da História, não vale a pena. O que a humanidade necessita é qualquer coisa de novo, que eu não sei definir, mas ainda tenho a convicção que pode vir da mulher.
OBRA LITERÁRIA PRÓPRIA
Eu penso que o sentimento é como a natureza. Não podemos, em nome da experimentação, da frieza científica, da objetividade e de todas as coisas, expulsar o sentimento das nossas preocupações e das obras que vamos escrevendo. O sentimento estará sempre na moda, porque homem e mulher sempre sentirão amor. Não se pode matar o amor. Por isso ele tem uma presença tão importante em meus romances.
PRÊMIO NOBEL
Eu tenho a consciência de que não nasci para isto. Isso é assombroso, porque cada vez que acontece algo, neste caso o Nobel, eu pergunto-me a mim mesmo se aquilo que eu fiz ao longo da vida, sobretudo nos últimos vinte anos, deu para construir uma obra que chega a merecer o mais célebre prêmio literário do mundo. Como é que isto me aconteceu a mim? Uma pergunta para a qual, honestamente, não tenho resposta.
Fonte: AGUILERA, Fernando Gómez (Org.) As palavras de Saramago. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Veja também: