Com boa narrativa e excelentes atuações, Emilia Perez apresenta pautas complexas para sociedades contemporâneas
O filme
Emília Perez é uma produção francesa que narra uma história sobre o tráfico de drogas no México e seus impactos numa sociedade que sofre sob o domínio de carteis e seus crimes de guerra. O filme se passa no México, onde uma advogada recebe uma oferta inesperada para ajudar um temido chefe de cartel a se aposentar de seus negócios e desaparecer para sempre, tornando-se a mulher que ele sempre sonhou ser.
O elenco principal é composto por uma trindade de artistas impecáveis. Logo de cara nos é apresentado Rita, personagem de Zoë Saldaña, apresentando o cotidiano de uma advogada extremamente competente, mas infeliz por fazer parte de um sistema que não busca justiça, mas sim colaborar com objetivos políticos.
Zoë Saldaña nos entrega uma atuação impecável e uma performance centrada nos questionamentos de sua personagem. Mesmo durante suas apresentações musicais, Zoë continua focada em sua personagem, elevando o seu círculo de atenção ao máximo, ou seja, mesmo com tudo o que acontece em sua volta ela continua lá, mantendo o nível de tensão necessário para que a narrativa não se disperse.
Karla Sofia Gascón dá vida a Emilia Perez, e com um trabalho contundente consegue colorir a personagem, expressando sentimentos complexos como sua ansiedade em retornar para a família. Selena Gomez, tem uma atuação regular, mas acredito que ela poderia entregar mais ao filme, pois sua personagem possui muito subtexto, desde a perda do marido, até a consequência de suas escolhas.
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O roteiro de Jacques Audiard se destaca por criar uma narrativa complexa nas relações pessoais e na ambiguidade dos desejos das personagens, e apesar do filme ter como norte a ajuda de Rita para um chefe do cartel a sair do negócio para que ela possa finalmente se tornar a mulher que sempre sonhou ser, em minha análise vejo Emilia Perez como um filme denúncia, pois é retratado de forma bem clara a dor dos mexicanos quando falamos de desaparecidos.
E é consenso entre especialistas que o número de desaparecidos no México é muito alto e representa uma crise humanitária. Estimativas variam significativamente, mas alguns estudos indicam que dezenas de milhares de pessoas podem estar desaparecidas, muitas delas vítimas de violência relacionada ao narcotráfico. Dessa forma, acho que Jacques Audiard utiliza como pano de fundo Emilia Perez, seus desejos e seus conflitos, para apresentar ao mundo essa crise que o México vive.
Apesar de ser um musical, o filme é muito ponderado em suas músicas e no encaixe delas em cena. Um ponto muito positivo dessas músicas, é que elas continuam dentro da circunstância da cena, ou seja, ela não é uma pausa de alívio cômico, ou um show… Não, ela faz parte de uma ideia ou de um sentimento, inclusive uma das melhores cenas e talvez uma das mais emocionantes de Emilia Perez (Karla Sofia Gascón) está durante uma dessas músicas em que a personagem escuta seu filho cantar.
Emilia Perez é um filme extremamente potente, que precisa ser visto por todos. Primeiro pela visibilidade trans pautada pelo filme, é um filme indicado ao Oscar, ou seja, temos pela primeira vez uma atriz trans concorrendo ao prêmio de melhor atriz, do maior prêmio de cinema do mundo. Segundo, estamos falando de uma minoria com altíssimos índices de assassinatos. Para se ter uma ideia a ONG Transgender Europe que monitora os assassinatos de pessoas trans no mundo, publicou que em 2022 e 2023 o México ficou em segundo lugar no ranking dos países que mais matam pessoas trans, ficando somente atrás do Brasil, dessa forma entendo que mesmo com as problemáticas de narrativa citado pela GLAAD, ainda vejo como um filme importante para luta.
Emilia Perez é um filme que apesar de todas as críticas só tem a agregar para sociedade. Assista você também e tire suas próprias conclusões.
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Representação Trans
O filosofo espanhol Paul B. Preciado responsável pelos livros Manifesto contrassexual: Práticas subversivas de identidade e Eu sou o monstro que vos fala: Relatório para uma academia de psicanalistas avalia que “O filme de Audiard conta, segundo sua própria descrição, a história de Manitas, um maldito traficante mexicano que muda de gênero e se transforma em Emilia para tentar escapar de seu destino.
Embora seja apresentada como o resumo do cinema moderno repleto de números musicais e invenções visuais e narrativas, ‘Emilia Pérez’ é, quando se conhece a história das representações de pessoas trans, um pergaminho de ruínas semióticas coloniais e binárias tão previsíveis quanto anacrônicas. Ao curvar-se às exigências de um cânone narrativo hegemônico que tem sido contestado por grupos e pelas próprias pessoas trans e racializadas, ‘Emilia Pérez’ perpetua uma visão psicopatológica da transição de gênero baseada em quatro premissas: criminalização, exotização etnográfica, representação médica-cirúrgica da transição de gênero e assassinato. E este último não é um spoiler. Todos os filmes normativos sobre pessoas trans acabam matando o protagonista.”
Já a GLAAD (“Aliança Gay e Lésbica Contra Difamação”, da sigla em inglês), organização que monitora a forma como a comunidade LGBTI+ é retratada na mídia, afirma que o filme não é uma boa representação de pessoas transexuais. Ela aponta que as primeiras críticas elogiaram o filme porque não haviam sido feitas por pessoas trans.
Entre algumas das críticas estão o fato de que Emilia é descrita como “metade mulher e metade homem” em algumas partes do filme e de que a forma como sua história é abordada pode reforçar estereótipos, como o de mulheres transexuais serem violentas. Em resenha à revista The Cut, a crítica Harron Walker afirma que, por mais que a cinematografia seja cativante e que as performances sejam brilhantes, a história central do longa estraga o restante do filme. Ela cita como problemática a cena em que Emilia se revolta com Jessi e a enforca, falando com a personagem de Selena Gomez em uma voz grossa que era utilizada antes de sua transição.
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Recepção Mexicana
Magnífico, terrível, um insulto e puro cinema. O filme dirigido por Jacques Audiard, tem oscilado entre esses adjetivos desde que foi elogiado no Festival de Cinema de Cannes em maio de 2024. O México, onde a trama se passa, foi um dos últimos países em que o filme foi lançado. Isso não impediu que usuários do X, a maioria deles de origem mexicana, recorressem à rede social para destruí-la.
Rodrigo Prieto, diretor de fotografia de Barbie e Assassinos da Lua das Flores, e diretor de Pedro Páramo, em entrevista destacou o aspecto musical como algo grandioso e disse que não é contra filmes sobre o México feitos por diretores estrangeiros. No entanto, a falha em não contratar um designer de produção ou figurinista mexicano, ou pelo menos alguns consultores, faz com que a história pareça inautêntica.
No entanto, a trans-ativista dominicana Mikaelah Drullard discorda de Rodrigo Prieto. Para ela, Emilia Pérez é fruto da ignorância eurocêntrica entre os brancos, daí a recepção premiada na Europa e nos Estados Unidos.
Mas nem todos os mexicanos concordam com o consenso crítico. Um exemplo é Guillermo del Toro. Em conversa que teve com Jacques Audiard em outubro do ano passado, após uma exibição especial para membros do Directors Guild of America (DGA), o diretor mexicano, que fez parte de dois júris que premiaram o filme em Cannes e Veneza, disse: disse que era incrível e lindo ver um filme que era “verdadeiro cinema”. Audiard se remexeu na cadeira, quase como se não pudesse acreditar no que estava ouvindo, e agradeceu a Del Toro com grande respeito.
Issa López, roteirista e diretor mexicano que escreveu seis episódios da nova temporada da série americana True Detective, concordou com a opinião de Del Toro. No tapete vermelho do Globo de Ouro, ele mencionou que o filme é uma obra-prima e que o trabalho que Audiard fez ao retratar a realidade no México é melhor do que qualquer mexicano poderia ter feito.