Autor: Maurice Leblanc
Editora: Zahar, 2016
Tradução: André Telles e Rodrigo Lacerda
Páginas: 280
Durante muitos séculos o mundo foi percebido através do binômio de heróis e vilões. Fruto do pensamento da Idade Média, aprofundado pela oposição luz/trevas do Barroco uma série de autores procurava, em suas obras, apresentar virtudes e vícios através de suas figuras e, assim, apresentar um mundo organizado através do que seria de um lado, o bem, e do outro, o mal. No entanto, a literatura, uma das formas mais subversivas já inventadas, nunca conseguiu apresentar isso de forma clara: as entrelinhas da arte, do pensamento e da subjetividade dos autores sempre nos deixava uma sensação de que “há na escuridão muito de luz” e vice-versa. Até que tudo se torna, na modernidade, uma forma dispersa, fragmentada em que bem e mal são instâncias do mesmo gesto. Formamos, então, os anti-heróis (ou anti-vilões). Arsène Lupin é um desses. Talvez o maior. Ou, como diria seu amigo narrador:
Ele é de hoje, ou melhor, de amanhã.
O Ladrão de Casaca, As Primeiras Aventuras de Arséne Lupin, é um livro de contos de Maurice Leblanc que conta a história do famoso e inconfundível vilão ficcional Arséne Lupin. Com uma perspicácia única e uma habilidade de disfarce, tanto física quanto nas letras, assim como uma capacidade única de enganar e ludibriar os outros, Lupin se torna, aos poucos, um dos maiores vilões de todos os tempos. O ladrão de casaca, como ficou conhecido, é uma espécie de Sherlock Holmes do crime, ou seja, um ser capaz de qualquer coisa para chegar a seus objetivos. Com seu carisma único, entretanto, chega a cativar todos nós que, mesmo sem querer, acabamos por torcer por suas peripécias.
A obra, dividida em nove contos sensacionais, nos dá a ver claramente o gradual sucesso do vilão, como relatado em um posfácio do próprio autor: em seu primeiro conto ele havia sido preso e este seria seu fim. No entanto, com o grande sucesso, ele precisou escrever outras histórias e assim se dá a sensacional história da fuga de Lupin da prisão e de seu julgamento pra lá de confuso e cheio de reviravoltas. Em todos os contos que seguem, a tônica é sempre essa: uma habilidade de disfarce incrível que transforma a própria narrativa na suspeita que há das personagens entre si.
Isto é o mais incrível da obra e precisa ser destacado: Leblanc compõe suas aventuras, a partir de um formato que faz com que Lupin não seja apenas a personagem principal de suas histórias, mas ele é, também, a forma do conto. A suspeita que temos de Lupin é a mesma que temos da narrativa. Temos um narrador que desconfiamos e uma história que não se pode fiar até o fim: a parcela que temos é a que nos deixam ter e só teremos a visão total ao fim, justamente quando Lupin encontrar sua fuga.
O destaque do livro fica para o conto final em que Arsène Lupin se encontra com o incrível detetive Sherlock Holmes, de Conan Doyle (na obra chamado por Leblanc de Herlock Sholmes). Sendo Lupin uma espécie de alterego de Holmes, o que se vê são duas face não de dois personagens ímpares, praticamente invencíveis, mas também duas faces de um tipo de literatura que seria explorada até os dias de hoje. O encontro é relatado assim:
Se alguém os surpreendesse naquele instante, assistiria a um espetáculo eloquente: o primeiro encontro de dois mestres, ambos verdadeiramente superiores e, por suas aptidões especiais, fadados a colidir como duas forças iguais que a ordem das coisas empurra uma contra a outra.
O Ladrão de Casaca, As Primeiras Aventuras de Arséne Lupin é hoje um clássico. No entanto, a obra soa absolutamente contemporânea e deve ser lida por todos que amam suspense policial, livros sobre crimes e investigação. Acompanhar o gênero onde ele nasce é mais uma forma de conhecê-lo e admirá-lo. Um livro imperdível!