Jacinta Velloso Passos (Cruz das Almas, BA 1914 – Aracaju, SE 1973) foi jornalista, escritora e ativista política baiana. Entre os anos de 1942 e 1958, publicou 4 livros de poemas: Nossos poemas, em parceria com o irmão; Canção da partida; Poemas políticos e A Coluna. Além da sua produção literária, ela participou ativamente como jornalista na Bahia na década de 40, abordando temas como a política, a papel da mulher na sociedade e outras questões sociais. Colaborou, também, escrevendo matérias para os jornais e revistas do Rio de Janeiro e São Paulo.
Seus livros, em especial Canção da partida, ilustrado por Lasar Segall, foram analisados e elogiados por alguns intelectuais e críticos da época, como Antonio Candido, Mário de Andrade, Gabriela Mistral (Prêmio Nobel de Literatura em 1945), Aníbal Machado, entre outros.
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“Canção da partida lançou o nome de Jacinta Passos no cenário nacional, tornando sua poesia conhecida e respeitada entre intelectuais. O livro expressava uma voz singular, a de uma poeta que, sem se filiar a nenhuma corrente literária específica, dialogava com os contemporâneos, propondo-lhes, em versos livres aparentemente muito simples, mas de grande força rítmica, a fusão entre lirismo e preocupação social. Era um mergulho no mundo popular rural brasileiro, pela ótica das mulheres e das crianças, com seus cantos de ternura, dor e esperança, capazes de unir o mais recôndito passado a um futuro que a poeta queria diferente.” (AMADO, 2010, p. 371-372)
Com o tempo, Jacinta se afastou dos valores tradicionais e católicos, passando a se dedicar à escrita, frequentar círculos literários e ter contato com intelectuais e escritores. Com a Segunda Guerra Mundial, envolveu-se politicamente, aproximando-se de integrantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Em 1944, casou-se com James Amado, irmão mais novo de Jorge Amado, e teve apenas uma filha. No mesmo período, filia-se ao PCB e, em 1945, foi a única mulher candidata a deputada pelo partido, mas não conseguiu se eleger.

Quando as crises nervosas começaram a se manifestar, ela foi internada em uma clínica e diagnosticada com esquizofrenia paranoide. Entre idas e vindas do manicômio, acabou se distanciando da família. Foi presa quando escrevia palavras de ordem no muro da cidade de Aracaju, e encaminhada novamente ao sanatório em 1965, onde permaneceu até sua morte. Mesmo internada, não abandonou a escrita. Continuou produzindo regularmente poemas, peças para teatro, radioteatro, aforismos, textos sobre teoria da arte, e reflexões políticas: “[…] Jacinta preencheu cerca de 3.348 páginas de caderno manuscritas no período, quase 560 páginas por ano, quase 16 páginas por dia.” (AMADO, 2010, p. 427)
Na época, seus livros foram publicados por editoras de pequeno porte com tiragens reduzidas. Apenas Canção da partida foi reeditado em 1990. A escritora permanece praticamente desconhecida nos dias de hoje, fato que se deve ao apagamento ao longo do tempo das mulheres na sociedade. Alguns estudos, ainda que esparsos, foram publicados contribuindo para que a obra não fosse esquecida.
Em 2010, sua filha Janaína Amado, escritora e historiadora, organizou e resgatou a trajetória e a obra completa na coletânea Jacinta Passos, coração militante: poesia, prosa, biografia, fortuna crítica, reunindo biografia, poemas, textos, manuscritos, matérias de jornais, imagens, depoimentos e outros materiais.
“Mulher, feminista, comunista, separada do marido, empobrecida, louca. Muitos foram os estigmas que Jacinta Passos enfrentou. Sua trajetória de vida absolutamente singular, bem como sua fidelidade às ideias e valores que elegeu, levaram-na a chocar-se diuturnamente contra tudo e todos, na contramão do tempo. Seus embates foram duríssimos. Não fugiu a nenhum. Ao contrário, parece que os buscou. Pagou um preço pessoal muito alto pelas escolhas que fez. Jamais se apresentou como vítima. Caneta e lança na mão, escudo de ferro no peito, foi como guerreira que se apresentou, lutando até o último dia de vida contra muitos, inclusive contra uma parte de si mesma. Venceu, foi derrotada e recomeçou várias vezes, sem nunca ter perdido de todo a ternura, como aconselhava Che Guevara – o Che da Revolução Cubana que ela tanto admirou –, pois foi poeta até morrer.” (AMADO, 2010, p. 337)

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Confira alguns poemas:
Canção atual
Plantei meus pés foi aqui
amor, neste chão.
Não quero a rosa do tempo
aberta
nem o cavalo de nuvem
não quero
as tranças de Julieta.
Este chão já comeu coisa
tanta que eu mesma nem sei,
bicho
pedra
lixo
lume
muita cabeça de rei.
Muita cidade madura
e muito livro da lei.
Quanto deus caiu do céu
tanto riso neste chão,
fala de servo calado
pisado
soluço de multidão.
Coisas de nome trocado
– fome e guerra, amor e medo –
Tanta dor de solidão.
Muito segredo guardado
aqui dentro deste chão.
Coisa até que ninguém viu
ai! tanta ruminação
quanto sangue derramado
vai crescendo deste chão.
Não quero a sina de Deus
nem a que trago na mão.
Plantei meus pés foi aqui
amor, neste chão.
Eu serei poesia
A poesia está em mim mesma e para além de mim mesma.
Quando eu não for mais um indivíduo,
eu serei poesia.
Quando nada mais existir entre mim e todos os seres,
os seres mais humildes do universo,
eu serei poesia.
Meu nome não importa.
Eu não serei eu, eu serei nós,
serei poesia permanente,
poesia sem fronteiras.
Canção do amor livre
Se me quiseres amar
não despe somente a roupa.
Eu digo: também a crosta
feita de escamas de pedra
e limo dentro de ti,
pelo sangue recebida
tecida
de medo e ganância má.
Ar de pântano diário
nos pulmões.
Raiz de gestos legais
e limbo do homem só
numa ilha.
Eu digo: também a crosta
essa que a classe gerou
vil, tirânica, escamenta.
Se me quiseres amar.
Agora teu corpo é fruto.
Peixe e pássaro, cabelos
de fogo e cobre. Madeira
e água deslizante, fuga
ai rija
cintura de potro bravo.
Teu corpo.
Relâmpago depois repouso
sem memória, noturno.
Canção simples
A flor caída no rio
que a leva para onde quer,
sabia disso e caiu,
seu destino é ser mulher.
Leva tudo e segue em frente,
amor de homem é tufão,
o de mulher é semente
que o vento enterrou no chão.
Mulher que tudo já deu,
homem que tudo tomou,
é mulher que se perdeu,
é homem que conquistou.
Mulher virgem, condição
para homem dar – nobre gesto –
resto duma divisão
se a divisão deixou resto.
No sangue, a honra é lavada
de homem que mulher engana,
mulher que vive enganada
coitado! fraqueza humana.
A flor caída no rio
que a leva para onde quer,
sabia disso e caiu,
seu destino é ser mulher.
Alegria
Perscrutei ansiosa a tua face.
E na tua face marcada pelo sofrimento,
batida por todos os ventos do mundo,
trabalhada por todas as misérias da terra,
na tua face
onde se cruzam sulcos de fundas dores humanas,
onde ficaram rastros de passos perdidos por obscuros caminhos,
descobri, ó meu irmão desconhecido e anônimo,
um traço de semelhança com a tua face verdadeira,
a Face perfeita de todos os homens.
Veja mais detalhes no documentário disponibilizado pelo Cine Massapê: