Você conhece os melhores poemas de Gabriela Mistral? A chilena Gabriela Mistral foi ganhadora do Prêmio Nacional de Literatura do Chile em 1951. Também foi a primeira mulher latino-americana a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, em 1945. Os temas centrais de seus poemas falam sobre o amor, o amor de mãe e sobre as suas memórias pessoais dolorosas de mágoa e recuperação. Além de poeta, também foi professora, educadora, diplomata e feminista chilena. Os seus poemas mais conhecidos são “Desolación”, “Besos”, “Caricia”, “Canción amarga”, “Piececitos” e “Dame la mano”, algumas de suas obras fundamentais.
O NotaTerapia separou os melhores poemas de Gabriela Mistral. Confira:
A casa
A mesa, filho, está posta
em brancura quieta de nata,
e em quatro muros que mostram sua cor azul
dando brilhos, a cerâmica.
Este é o sal, este o azeite
e ao centro o Pão que quase fala.
Ouro mais lindo que ouro do Pão
não está nem em fruta nem em retama,
e do seu cheiro de espiga e forno
uma fortuna que nunca sacia.
O partimos, filhinho, juntos,
com dedos duros e palma branda,
e tu o olhas assombrada
de terra preta que dá flor branca.
Abaixada a mão de comer,
que tua mãe também a abaixa.
Os trigos, filho, são do ar,
e são do sol e da enxada;
porém este Pão “cara de Deus”*
não chega as mesas das casas;
e se outras crianças não o tem,
melhor, meu filho, não o tocares,
e não tomá-lo melhor seria
com mão e mão envergonhadas
*No Chile, o povo chama ao pão de “cara de Deus”
CHUVA LENTA
(Tradução de Ruth Sylvia de Miranda Salles)
Esta água medrosa e triste,
como criança que padece,
antes de tocar a tierra,
desfalece.
Quietos a árvore e o vento,
e no silêncio estupendo,
este fino pranto amargo,
vertendo!
Todo o céu é um coração
aberto em agro tormento.
Não chove: é um sangrar longo
e lento.
Dentro das casas, os homens
não sentem esta amargura,
este envio de água triste
da altura;
este longo e fatigante
descer de água vencida,
por sobre a terra que jaz
transida.
Em baixando a água inerte,
calada como eu suponho
que sejam os vultos leves
de um sonho.
Chove… e como chacal lento
a noite espreita na serra.
Que irá surgir na sombra
da Terra?
Dormireis, quando lá foram
sofrendo, esta água inerte
e letal, irmã da Morte
se verte?
A TERRA
Tradução de José Jeronymo Rivera
Indiozinho, se estás cansado
Tu te recostas sobre a Terra,
fazes igual se estás alegre,
vai, filho meu, brinca com ela…
Que de coisas maravilhosas
soa o tambor índio da Terra:
se ouve o fogo que sobe e desce
buscando o céu, e não sossega.
Roda e roda, se ouvem os rios
em cascatas que não se contam.
Se ouve mugir os animais;
comer o machado a selva.
Ouve-se soar teares índios.
Se ouvem trilhos e se ouvem festas.
Aonde o índio está chamando,
o tambor índio lhe contesta,
e tange perto e tange longe,
como o que foge e que regressa…
Tudo toma, tudo carrega
o corpo sagrado da Terra:
o que caminha, o que adormece,
o que se diverte e o que pena;
os vivos e também os mortos
leva o tambor índio da Terra.
Quando eu morrer, não chores, filho:
peito a peito junta-te a ela
e se dominas o teu fôlego
como quem tudo ou nada seja,
tu ouvirás subir seu braço
que me jungia e que me entrega
e a mãe que estava quebrantada
tu a verás tornar inteira.
GOTAS DE FEL
Trad. de Ruth Sylvia de Miranda Salles
Não cantes: sempre fica
à tua língua apegado
um canto: o que faltou ser enviado.
Não beijes: sempre fica,
por maldição estranha,
o beijo a que não chegam as entranhas.
Reza, reza que é bom; mas reconhece
que não sabes, com tua língua avara,
dizer um só Pai Nosso que salvara.
E não chames a morte de clemente,
porque, na carne que a brancura alcança,
uma beirada viva fica e sente
a pedra que te afoga
e o verme voraz que te destrança.
PRIMEIRO SONETO DA MORTE
Do nicho lôbrego onde os homens te puseram
Te levarei à terra humilde e ensolarada.
Nela hei de adormecer – os homens não souberam –
E havemos de dormir sobre a mesma almofada.
Te deitarei na terra humilde, te envolvendo
No amor da mãe para o seu filho adormecido.
E a terra há de fazer-se um berço recebendo
Teu corpo de menino exausto e dolorido.
Poderei descansar; sabendo que descansas
No pó que levantei azulado e lunar
Em que presos serão os teus leves destroços.
Partirei a cantar minhas belas vinganças,
Pois nenhuma mulher me há de vir disputar
A este fundo recesso o teu punhado de ossos.
(Tradução
de Manuel Bandeira)
DÁ-ME TUA MÃO
(Tradução de Ruth Sylvia de Miranda Salles)
Dá-me tua mão, e dançaremos;
dá-me tua mão e me amarás.
Como uma só flor nós seremos,
como uma flora, e nada mais.
O mesmo verso cantaremos,
no mesmo passo bailarás.
Como uma espiga ondularemos,
como uma espiga, e nada mais.
Chamas-te Rosa e eu Esperança;
Porém teu nome esquecerás,
Porque seremos uma dança
sobre a colina, e nada mais.
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A palhinha
Havia uma menina de cera;
mas não era uma menina de cera,
só um feixe de trigo no canteiro.
Mas não era feixe nem pilha,
só uma tesa flor de maravilha.
Tampouco era a tal flor, penso que ela
era um pequeno raio de sol na janela.
Porém sequer um raio, como fui notar,
mas uma palhinha dentro do meu olhar.
Acheguem-se para ver como perdi inteira,
nesta lágrima, minha festa verdadeira
CUME
Trad. de Ruth Sylvia de Miranda Salles
É a hora da tarde, essa que põe
seu sangue nas montanhas.
E nesta hora alguém está sofrendo;
uma perde, angustiada,
bem neste entardecer o único peito
contra o qual se estreitava.
Há algum coração em que o poente
Mergulha aquele cume ensangüentado.
O vale já sombreia
e se enche de calma.
Mas, lá do fundo, vê que se incendeia
de rubor a montanha.
A esta hora ponho-me a cantar
minha eterna canção atribulada.
Sou eu que estou batendo
o cume de escarlate?
Ponho em meu coração a mão e o sinto
a verter quando bate.
Desolação
A bruma espessa, eterna, para que esqueça de onde
Há-me jogado ao mar em sua onda de salmoura.
A terra a que vim não tem primavera:
tem sua noite longa a qual mãe me esconde.
O vento faz à minha casa sua ronda de soluços
e de alarido, e quebra, como um cristal, meu grito.
E na planície branca, de horizonte infinito,
vejo morrer intensos poentes dolorosos.
A quem poderá chamar a que até aqui há vindo
se mais longe que ela só foram os mortos?
Tão sós eles contemplam um mar calado e rígido
crescer entre seus braços e os braços queridos!
Os barcos cujas velas branqueiam no porto
vem de terras onde não estão os que são meus;
e trazem frutos pálidos, sem à luz de meus hortos,
seus homens de olhos claros não conhecem meus rios.
E a interrogação que sobe a minha garganta
ao olhar-los passar, me descendem, vencida:
falam estranhas línguas e não a comovida
língua que em terras de ouro minha velha mãe canta.
Vejo cair a neve como o pó na sepultura,
Vejo crescer a névoa como o agonizante,
e por não enlouquecer não encontro os instantes,
porque a “noite longa” agora tão só começa.
Vejo o plano extasiado e recolho seu luto,
que vim para ver as paisagens mortais.
A neve é o semblante que aparece a meus cristais;
sempre será sua altura abaixando dos céus!
Sempre ela, silenciosa, como a grande olhada
de Deus sobre mim; sempre sua flor de laranjeira sobre minha casa;
sempre, como o destino que nem mingua nem passa,
descenderá a cobrir-me, terrível e extasiada.
Noite
As montanhas se desfazem,
e o gado está perdido;
o sol regressa à fornalha:
todo o mundo está fugido.
Vai-se apagando o pomar,
a granja está submersa,
minha cordilheira esconde
a crista e o grito de alerta.
As criaturas deslizam
de soslaio até o limbo,
e nós dois também rolamos
rumo à noite, meu filho.
Fonte:
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2019/09/leia-poemas-ineditos-da-nobel-chilena-gabriela-mistral.shtml
http://www.processocom.org/2016/04/30/a-poesia-de-gabriela-mistral/
https://www.escritas.org/pt/gabriela-mistral
http://www.antoniomiranda.com.br/iberoamerica/chile/gabriela_mistral.html
1 comentário
Bom dia. Estou buscando um poema de Gabriela Mistral, que se não me falha a memória, chama-se Manhã Azul. Há um verso que diz ” era uma manhã tão linda como se o artista… mas havia uma sombra nela… Fica a sombra comigo, vai para ti a manhã pura e bela “