O cinema palestino em 4 filmes: Uma viagem pelas origens da Palestina moderna

O cinema brasileiro tem mais de 125 anos de História, tendo começado numa filmagem da Baía de Guanabara em 19 de junho de 1898. Mas nem todos os cinemas nacionais são assim tão antigos – primeiro, uma nação precisa ficar independente para depois pensar na arte nacional. Por exemplo: os cinemas africanos, feitos por africanos, só tomaram forma depois do movimento de descolonização em meados do século XX. E como isso se dá na Palestina?

Apesar de não ser (errônea mas ideologicamente) considerado um país livre, na Palestina se faz cinema desde 1935, quando lá foi filmado um documentário mudo sobre a visita do rei da Arábia Saudita. O pioneiro nesta empreitada, Ibrahim Hassan Sirhan, fundou um estúdio de cinema no país em 1945, mas teve de fugir quando Jaffa, a cidade onde o estúdio estava localizado, foi bombardeada em 1948. Com a fuga desapareceram os filmes feitos por Ibrahim até então.

Em 1948 ocorreu a Nakba, expulsão dos palestinos do território por causa do estabelecimento do estado de Israel. Estima-se que na ocasião 750 mil palestinos tenham tido de deixar suas casas. Por causa disso, há esta pausa de vinte anos na produção de cinema na Palestina, e ela só voltaria a acontecer após outra expulsão em massa, a Naksa, em 1967, com a Guerra dos Seis Dias. Desta vez, entre 280 e 325 mil palestinos foram expulsos de suas casas.

Mesmo com muitas dificuldades, neste momento o cinema palestino, abertamente combativo e versando sobre as dores do país invisível, floresceu. Com o apoio da PLO – organização que pleiteava a independência da Palestina – e fazendo principalmente documentários, chegou-se ao número de 60 filmes rodados entre 1968 e 1980, período em que ocorreram também os primeiros festivais de cinema palestino em terra estrangeira, como o Líbano.   

Para este breve porém rico panorama, escolhemos quatro filmes com menos de 30 minutos de duração, feitos entre 1968 e 1974

4 filmes (curtos) sobre a Palestina

ALQUDS (1968)


“ALQUDS”, de 1968, nos apresenta a uma Jerusalém que não é um patrimônio venerável, mas sim uma cidade viva e pulsante, onde vive gente como a gente, gente que não estava preparada para a guerra que veio em 1967. Ao falar da Guerra dos Seis Dias, o filme, sob o som de uma metralhadora, edita as imagens freneticamente. O resultado: destruição e uma cidade agora ocupada, na qual o povo palestino terá de aprender a viver. O filme acaba com uma premonição: “este não é o fim”.

“The Visit” (1970)

Começando com um poema sobre a terra natal, “The Visit” (1970) acompanha um indivíduo que volta ao seu local de origem, onde é recebido por escolta. Mais poesias ditam o ritmo do curta e também modificam os significados e interpretações das imagens que vemos na tela. Uma delas é profética: “Nós não cintilamos brevemente como fósforos. Nós queimamos. Perpetuamente. Como fogueiras pagãs”. Mesmo neste curta de origem síria, a Palestina resiste.

Leia também: Os enganados (1972): filme retrata vida devastada dos refugiados pela Nakba palestina

“The Urgent Call of Palestine” (1973)

Podendo ser classificado como uma curiosa mescla de videoclipe e depoimento, “The Urgent Call of Palestine” (1973) traz a cantora Zeinab Shaath ao violão perguntando “vocês não podem ouvir o chamado urgente da Palestina?” enquanto imagens do povo palestino são apresentadas na tela. A parte de depoimento fica por conta de uma fala de Kamal Nasser, líder palestino assassinado antes da estreia deste curta-metragem.


“They Do Not Exist” (1974)

“They Do Not Exist” (1974) começa com imagens do cotidiano num campo de refugiados palestinos. O título é, obviamente, um questionamento: como podemos dizer que não existem – ou pior, que não importam – as pessoas que acabamos de ver? Se uma imagem vale mais que mil palavras, como refutar as que acabaram de passar por nossos olhos e deixar de lado o sofrimento desse povo com o qual recém tomamos contato?

“Eles não existem” é frase que saiu também de duas bocas de gente que prejudicou e muito o povo palestino: o líder militar de Israel Moshe Dayan e a primeira-ministra israelense Golda Meir.

Durante imagens de um ataque israelense a um campo de refugiados, a escolha para o fundo é música clássica. Junto a pessoas remexendo escombros vem uma voz em off dizendo duras verdades: o discurso de Israel é fascista e genocida. Para efeito de argumentação, o filme traz ainda depoimentos de vítimas do ataque ao campo Nabatia – é isso mesmo que você está pensando: tudo isso num curta-metragem? Sim, tudo isso em sucintos e poderosos 25 minutos.

“They Do Not Exist” teve sua estreia em território palestino apenas em 2003, quando um grupo de artistas levou, contrariando um banimento vindo do estado de Israel, o diretor Mustafa Abu Ali para Jerusalém, cidade natal dele, para uma homenagem. Considerado a principal voz do cinema palestino até 1980, Mustafa Abu Ali estudou cinema em Londres e trabalhou com Jean-Luc Godard mesmo depois de se estabelecer no Líbano para fazer este e outros seis curtas.

Como o povo palestino, o cinema palestino sempre resistiu e falou sobre si e sobre suas dores. Abrir os olhos para esta rica produção é se juntar ao clamor de tantos, por uma Palestina livre e soberana.

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