Kathy Acker, ícone underground, ganha dois livros pela crocodilo

Kathy Brew, Portraits of Kathy Acker, San Francisco, 1991. © Kathy Brew.

crocodilo lança dois livros de Kathy Acker, ícone underground

Ao se referir a pessoas que influenciaram sua escrita, Virginie Despentes diz “Kathy Acker foi o começo de tudo para mim”. Kathy Acker (1947/48-1997) nasceu em Nova York e aos 18 anos saiu de casa. Logo trabalhou como stripper, o que a aproximou da cena artística da cidade.

Sua escrita é tão difícil de classificar em qualquer gênero quanto ela mesma. De certa forma, seu estilo reflete a sensibilidade “no future” que surgiu na década de 1970. Foi considerada a Patti Smith da literatura pós-punk, bem como a próxima Henry Miller. É lembrada também como expoente feminista da literatura experimental.

Com seus poemas, romances e peças, subverteu noções pré-concebidas de linguagem, identidade, sexualidade e corpo. Rapidamente se tornou referência na tradição literária radical e rebelde que emergiu na contracultura e continuou na cultura punk.

Além de Despentes, Kathleen Hanna, da banda Bikini Kill, atribui a Acker papel definitivo em seu percurso. A lista segue.

Considerada uma das escritoras que mais chocou e seduziu o mundo da literatura, teve sua vida e obra abordadas em livros de pessoas como Chris Kraus e McKenzie Wark e no documentário Who’s Afraid of Kathy Acker? (2007) de Barbara Caspar. A novela Crudo (2018) de Olivia Laing, também recorre a Acker, dessa vez adotada como uma personagem da trama. Foi também roteirista de filmes como Variety, de Bette Gordon, com participação de Nan Goldin e gravou discos com sua prosa convertida em música.

Leia também: Feministas radicais atacam editora por publicar livro de Judith Butler sobre gênero

Precursora da teoria queer, ao longo de sua vida, foi fotografada por Robert Mapplethorpe, fez leituras públicas com Allen Ginsberg e entrevistou as Spice Girls. Em uma busca incansável por destruir os sentidos, se dedicou, ainda, ao bodybuilding, forma de espelhar em seu próprio corpo aquilo que experimentava na escrita: pessoas decidindo como querem ser, aumentando seu leque de possibilidades. “Eu sou tão queer que sequer sou gay” declarava a autora.

Queer significa estranheza, e em sua escrita performa essa declaração. Cortes, apropriações, transições, fluidez, são marcas de seus textos, nos quais ficção e realidade se confundem para criar um universo singular, composto por anarquistas, prostitutas, artistas, drogaditos, vagabundos, e inúmeras outras figuras com sexualidades polimorfas.

Com sua fúria de prazeres livres, derruba os significados da linguagem e do corpo. Em sua escrita, o gênero é fluido e personagens históricas masculinas enunciam a si mesmas como femininas, personagens femininas se travestem e criam um “ele”, enquanto outras seguem intercambiando gêneros. No começo dos anos 1970, sua prosa anunciava possibilidades de experimentação que depois apareceriam teorizadas nos primeiros trabalhos de Judith Butler.

Acker faleceu precocemente, em 1997, devido a um câncer de mama. A autora recusou tratamento e viveu o fim de sua vida em Tijuana, México.

Sonhei que era ninfomaníaca, imaginando..

Originalmente publicado em 1974, o livro é escrito em primeira pessoa. “Meu nome é Kathy Acker. A história começa comigo totalmente entediada”, declara a autora. E sua prosa, escrita no ritmo do pensamento, convoca quem lê a embarcar em sua viagem vertiginosa.

Um sonho se repete e, com ele, parágrafos inteiros reaparecem, em um exercício literário no qual conteúdo e forma são inseparáveis um do outro.

A cada capítulo, Acker já não é ela mesma, e as personagens nas quais se converte contam suas histórias de prazeres, vícios, delírios. Mais do que produzir um discurso supostamente verdadeiro sobre sexualidades, o livro experimenta múltiplas possibilidades do corpo, do gênero e da linguagem.

E para quem espera uma escrita frenética sobre prazeres, o livro surpreende. Acker consegue articular sua experimentação a cenários muitas vezes compostos por instituições disciplinares — escolas, hospitais, prisões — que modulam os desejos e possibilidades de nossas vidas. Parece ser também de suas amarras que a autora busca escapar.

A vida adulta de Toulouse Lautrec, por Henri Toulouse Lautrec

Originalmente publicado em 1975, A vida adulta de Toulouse-Lautrec entrelaça acontecimentos e personagens históricos com passagens ensaísticas e elementos ficcionais.

Vincent (van Gogh) critica a arte de Toulouse e ela se irrita. Como de costume, Acker usa os gêneros das personagens de maneira deliberadamente fluida. Aqui, Paul Gauguin é a faxineira do bordel onde uma bobalhona foi assassinada. Em meio às cenas com personagens famosas que são apresentadas ao longo do livro, também dão as caras Janis Joplin e James Dean, jovens amantes que ainda não sucumbiram às pressões e ao cinismo de Hollywood.

Henry Kissinger e outros figurões da política também surgem ao longo do texto. A autora, ainda que deixe clara sua posição nesse emaranhado de personagens, dá liberdade a quem lê para tirar suas próprias conclusões. Entre comentários sobre a política estadunidense do século XX e suas reverberações em países como a República Dominicana, Acker faz cortes abruptos e se lança em uma busca por prazeres desenfreados.

Em outra passagem, retoma o final do século XIX e, em meio a conversas entre Toulouse e Vincent sobre Paris e São Francisco, pipocam greves em todos os cantos. Anarquistas se reúnem na Haymarket, um grande espaço aberto em Chicago, a fim de protestar contra um tiroteio policial que reprimiu uma manifestação de grevistas. De repente, uma bomba explode na multidão. Anarquistas são presos em nome da lei, batem na polícia em nome da liberdade e se defendem frente ao juiz. Fariam de novo.

Destaques

“Acker dá ao seu trabalho o poder de espelhar a alma do leitor” – William S. Burroughs

“…ela escreve narrativas feministas sexuais violentas, romances imaginativos de tortura amorosa…”- Allen Ginsberg

“O trabalho de Acker abordou a linguagem como um local de contestação a partir do qual o significado e a identidade são construídos, desfazendo o patriarcal e o político. Ela confrontou provocativamente a relação tensa entre o desejo e a realidade na cultura, no sexo, no corpo, na guerra, no dinheiro, na família, na mitologia, no colonialismo, na doença e na cidade, de maneiras que permanecem criticamente relevantes para os nossos tempos atuais” – Institut of Contemporary Arts of London.

“A autora estadunidense Kathy Acker foi uma das escritoras mais influentes do século XX. Entre o início da década de 1970 e o final da década de 1990 escreveu numerosos romances, ensaios, poemas e novelas de tradição experimental e vanguardista. Como feminista pós-modernista, plagiadora e pós-punk, ela continua a inspirar gerações de escritores, filósofos e artistas” – Badischer Kunstverein

“Há uma estranha margem do mundo literário onde queers, punks, riot girls e vanguardistas encontraram motivos para continuar recorrendo a ela” – McKenzie Wark

“Sempre me surpreendeu que Eu amo Dick tenha passado a ser lido como um texto fundamental no suposto novo gênero chamado “autoficção”. Minhas estratégias ao escrever o romance devem muito a Acker” – Chris Kraus

Ficha técnica

TítuloSonhei que era ninfomaníaca, imaginando…

Autora: Kathy Acker

Tradução: Livia L. O. dos S. Drummond

Formato: 13 x 21 cm

Páginas: 104 pp

ISBN: 978-65-88301-21-0

Preço: R$ 56,90

Editora: crocodilo edições

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TítuloA vida adulta de Toulouse Lautrec, por Henri Toulouse Lautrec

Autora: Kathy Acker

Tradução: Drump Goo

Formato: 13 x 21 cm

Páginas: 132 pp

ISBN: 978-65-88301-25-8

Preço: R$ 57,90

Editora: crocodilo edições

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