Referências culturais e literárias são constantes no desfile das escolas de samba no carnaval. Neste ano não foi diferente. A literatura serviu como inspiração para diversas agremiações do Rio de Janeiro e de São Paulo, inclusive, após o desfile, impulsionaram a venda de alguns títulos. Várias escolas referenciaram diretamente publicações e textos ou adaptaram obras literárias contemporâneas aos seus enredos; outras utilizaram fontes bibliográficas para discutir assuntos que faziam parte da temática proposta. Isso demonstra que, além de diversão, o carnaval proporciona também um espaço para discussão e conhecimento.
Confira algumas obras:
A atual campeã Mocidade Alegre, de São Paulo, teve um enredo inspirado em Mário de Andrade e nas suas viagens pelo Brasil, bem como no seu primeiro livro, Pauliceia desvairada.
Sinopse: Neste livro, o leitor encontrará a primeira obra marcadamente modernista de Mario de Andrade, um dos mais ativos participantes da Semana de Arte Moderna de 1922 e um dos principais autores do Modernismo brasileiro. Vista sob a ótica do Arlequim, da loucura, e representada por meio de recursos estilísticos inspirados nas vanguardas europeias, a Pauliceia desvairada revela-se multicultural e cosmopolita: atual, portanto, como a obra do escritor.
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O Salgueiro teve como principal referência o livro A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, do líder indígena Davi Kopenawa e do antropólogo Bruce Alberts, lançado em 2015. O samba-enredo foi dedicado à exaltação da mitologia yanomami e à defesa da Amazônia.
Sinopse: Um grande xamã e porta-voz dos Yanomami oferece neste livro um relato excepcional, ao mesmo tempo testemunho autobiográfico, manifesto xamânico e libelo contra a destruição da floresta Amazônica. Publicada originalmente em francês em 2010, na prestigiosa coleção Terre Humaine, esta história traz as meditações do xamã a respeito do contato predador com o homem branco, ameaça constante para seu povo desde os anos 1960. A queda do céu foi escrito a partir de suas palavras contadas a um etnólogo com quem nutre uma longa amizade – foram mais de trinta anos de convivência entre os signatários e quarenta anos de contato entre Bruce Albert, o etnólogo-escritor, e o povo de Davi Kopenawa, o xamã-narrador.
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A Portela teve o enredo adaptado do livro Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves, lançado em 2006, fazendo uma homenagem às mães negras.
Sinopse: Fascinante história de uma africana idosa, cega e à beira da morte, que viaja da África para o Brasil em busca do filho perdido há décadas. Ao longo da travessia, ela vai contando sua vida, marcada por mortes, estupros, violência e escravidão. Inserido em um contexto histórico importante na formação do povo brasileiro e narrado de uma maneira original e pungente, na qual os fatos históricos estão imersos no cotidiano e na vida dos personagens. Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves, é um belo romance histórico, de leitura voraz, que prende a atenção do leitor da primeira à última página. Uma saga brasileira que poderia ser comparada ao clássico norte-americano sobre a escravidão, Raízes.
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A Grande Rio teve o título Meu destino é ser onça, de Alberto Mussa, lançado em 2009, como principal referência do samba-enredo.
Sinopse: Em Meu destino é ser onça, Alberto Mussa nos transporta para um dos momentos mais decisivos da formação do Brasil, pondo-nos em contato com uma cultura que sofreu reveses incalculáveis, mas, mesmo martirizada, foi capaz de moldar a brasilidade de maneira incontornável. Como brasileiros, somos, inevitavelmente, descendentes desse povo guerreiro que lutou por liberdade e sobreviveu, contra todas as probabilidades, para seguir contando sua história e honrando seu legado. Após estudar os fragmentos de registros sobre a cultura indígena da baía de Guanabara, feitos pelo frade André Thevet, em 1550, e cotejá-los com as demais fontes dos séculos 16 e 17, Alberto Mussa reconstitui o que teria sido o texto original de uma narrativa tupinambá.
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Pode-se relacionar também, nesse caso, o livro O som do rugido da Onça, – mesmo nome da bateria da Grande Rio – de Micheliny Verunschk, lançado em 2021 e vencedor do Prêmio Jabuti na categoria Romance Literário 2022.
Sinopse: A autora constrói uma poderosa narrativa que deixa de lado a historiografia hegemônica para dar protagonismo às crianças ― batizadas aqui de Iñe-e e Juri ― arrancadas de sua terra natal. Entrelaçando a trama do século XIX ao Brasil contemporâneo, somos apresentados também a Josefa, jovem que reconhece as lacunas de seu passado ao ver a imagem de Iñe-e em uma exposição. Com uma prosa embebida de lirismo, este é um livro sem paralelos na literatura brasileira ao tratar de temas como memória, colonialismo e pertencimento.
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A União da Ilha do Governador teve o samba-enredo inspirado em Amoras, de Emicida, que fala sobre negritude, representatividade e preconceito.
Sinopse: Na música “Amoras”, Emicida canta: “Que a doçura das frutinhas sabor acalanto/ Fez a criança sozinha alcançar a conclusão/ Papai que bom, porque eu sou pretinha também”. E é a partir desse rap que um dos artistas brasileiros mais influentes da atualidade cria seu primeiro livro infantil e mostra, através de seu texto e das ilustrações de Aldo Fabrini, a importância de nos reconhecermos no mundo e nos orgulharmos de quem somos — desde criança e para sempre.
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A Mocidade Independente teve como inspiração o livro Tempo de caju, de Socorro Acioli. A escola exaltou a fruta nativa do país como símbolo de brasilidade.
Sinopse: Os cajueiros exigem paciência, pois só dão frutos uma vez por ano. A cada safra, Porã guardava uma castanha em sua cabaça. Junto dela, conservava uma outra cabaça, que o avô lhe deixara como herança. Ao completar sete anos, Porã teve de fugir com sua tribo da invasão de um povo inimigo. Mal sabia ele que, ao final daquela longa jornada, os cajueiros lhe ensinariam algo muito importante. Com as belíssimas ilustrações de Mauricio Negro, Tempo de caju é uma história inspirada numa antiga tradição dos índios brasileiros e recriada de forma poética por Socorro Acioli.
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A escola Unidos do Viradouro, campeã do Carnaval do Rio de Janeiro 2024, teve como principal inspiração para o enredo o livro Sacerdotisas voduns e rainhas do Rosário: Mulheres africanas e Inquisição em Minas Gerais (século XVIII), organizado por Aldair Rodrigues e Moacir Maia.
Sinopse: Sacerdotisas voduns e rainhas do Rosário: mulheres africanas e Inquisição em Minas Gerais (século XVIII) reúne transcrições de documentos inéditos sobre a vida e as crenças de mulheres africanas perseguidas no Brasil por forças militares e pela Inquisição. Essas mulheres pertenciam a grupos étnicos que habitavam a região da África ocidental chamada pelos portugueses de Costa da Mina. Escravizadas e trazidas para o Brasil, algumas se tornaram lideranças das comunidades negras na posição de sacerdotisas voduns (vodúnsis), ao mesmo tempo que exerciam cargos de juízas e rainhas da irmandade católica de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos ― a principal confraria negra mineira.
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A Paraíso do Tuiuti homenageou o marinheiro João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata, em 1910. Pouco foi comentado sobre o título específico utilizado pela escola, mas não faltam livros que se relacionam com a temática. Alguns exemplos:
Escolas que resgataram outros materiais:
A Imperatriz Leopoldinense, escola campeã de 2023 do Rio de Janeiro, teve como inspiração para o enredo o cordel O testamento da cigana Esmeralda, do poeta paraibano Leandro Gomes de Barros, escrito há mais de 100 anos.
A Porto da Pedra teve como referência o almanaque ilustrado Lunário Perpétuo, escrito pelo espanhol Jerónimo Cortés, no século 16, mas referenciado por Câmara Cascudo como uma das obras mais lidas no nordeste brasileiro por dois séculos.