Abrir um livro muitas vezes requer um pouco de cuidado. É na pressa que, às vezes, perdemos aquilo de mais importante em uma experiência. E foi assim que adentrei as páginas de Pra que roam os cães nessa hecatombe, de Manuela Bezerra de Melo, publicado pela Macabéa Edições.
O livro de Manuela, após epígrafe de Hilda Hilst, logo desossa o poema e começa, uma alegria rara diante de tantas obras que abrem com manuais, agradecimentos, bulas, prefácios, alertas de gatilho e tantos avisos que chegam até dar um certo medo de realmente ler. Será que livro é de ler mesmo?

Se fosse destacar algo sobre a escrita de Pra que roam os cães nessa hecatombe é que o título forte e longo, ao mesmo tempo revela e mascara, ambivalentemente, processos de Manuela. Revela porque nos deixa ver os poemas como espinhas na pele, como se eles tivessem sido pegos nos flagrante assim que escritos. Escreveu e foi. Porém, também mascara, pois na fragilidade da palavra, Manuela inventa hecatombes que adjetivam o mundo para que sua tragicidade esteja latente e não vire apenas recurso retórico poético. Ou melhor, mascaram porque a fragilidade é mesmo insuportável e necessária e, por isso, a poesia existe. E Manuela entende disso.
Sem nomes, os poemas vão convidando a gente a lê-los num enjambement ininterrupto, mas cuja corrida acelerada nestes breves dromopoemas também nos coloque diante de pedaços que grudam, como o meu preferido:
“esperar que cresça o cabelo
os fios do cabelo precisam do sol do verão
não crescem porque são cortados
são cortados porque não crescem”
Pensando que cabelo pode ser a gente mesmo que podados crescemos, apesar de podados ou até o próprio fazer da palavra que quanto mais se corta mais parece precisar se cortar. Poesia é pra isso mesmo.
Um destaque para a arte de Camilla Freitas que, com técnica mista, dá a ver sua série “remendar-se”, que vai remendando o livro com palavras, imagens, colagens, poemas visuais incrivelmente mais poemas que visuais, enquanto Manuela, apesar de poema, também ser tão visual no seu jogo quase sem pontuação.
Um livro pra ler. E ir lendo. E continuar em outros.
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Sobre a autora:

Manuella Bezerra de Melo é escritora e mestra em Teoria da Literatura e Literaturas Lusófonas. Pra que roam os cães nessa hecatombe é seu quarto livro, precedido por Pés pequenos pra tanto corpo (Urutau, 2019). Publicou também poemas e contos em revistas brasileiras, portuguesas e latino-americanas. Atualmente, é doutoranda em Modernidades Comparadas: Literaturas, Artes e Cultura, na Universidade do Minho, em Portugal.