A Festa de Babette é um dos clássicos do cinema dinamarques dirigido por e roteirizado por Gabriel Axel. O filme conta a história de duas irmãs Martina (Brigitte Federspiel) e Philippa (Bodil Kjer), filhas de um chefe religioso da região que, após abandonarem na juventude as possibilidades de amor, se tornam, quando mais velhas, altamente religiosas e seguidores dos passos de seu pai. Caridosas e, ao mesmo tempo, conservadoras, levam suas vidas em um pequeno vilarejo sem muitos luxos e com o único objetivo de agradar a Deus, inclusive no que se refere à alimentação. Um dia, recebem uma mulher desconhecida, Babette (Bibi Anderson), uma mulher que vem fugida e sobrevivente das guerras decorrentes da Comuna de Paris, junto de uma carta com um pedido de asilo para a moça. As irmãs aceitam Babette que fica por lá anos seguindo a rotina e os costumes das irmãs.
Um dia, no entanto, Babette recebe a notícia de que ganhou na loteria e, antes de se despedir, faz um pedido: fazer um jantar francês para a comunidade que a acolheu nos últimos anos. As irmãs aceitam, mas ansiosas, percebem que talvez tenha sido um erro, pois naquele jantar poderia habitar os desejos do demônio. A comida poderia falar o que o coração esconde.
É aí que começa nossa história: A Festa de Babette, ganhador do Oscar de Melhor Filme estrangeiro, se torna um daqueles filmes clássicos pela singeleza e pela sutileza dos gestos. Um dos principais filmes gastronômicos, a obra inverte uma das equações do cinema: sua comida e seu efeito da comida no corpo das personagens subverte uma equação em que figuras é que tomam a frente das histórias. Pelo contrário, no filme, a potência está justamente na comida, no olhar da comida para a comida, no que o alimento tem, em essência, de transformador, no corte de alimentos, no tempero, na montagem, enquanto que as personagens se tornam espécie de títeres destes alimentos que ingerem. A comida é aquela que fala e, nem que seja por um dia, muda a ordem do mundo do vilarejo, desperta os amores, as saudades, os desejos de desculpas, o humor, despertam a vida do silêncio em que viviam. É quase como se, ao ingerir a comida de Babette, as pessoas passassem a ganhar a força dela, seus anseios e desejos, seu poder, suas energias, tal como no canibalismo. É a comida como potência transformadora, como potência de desejo, como agente de transformação e isto fica latente para quem assiste ao filme.
Não é a toa que esta obra tenha sido inspiração para todos os amantes de gastronomia, como a Chef apresentadora do Masterchef Paola Carosella. Em um dos episódios do programa, eles pedem para que se cozinhe um dos pratos mais especiais do filme: A codorna no sarcófago. O prato que reconstrói uma codorna assada no interior de uma pequena torta foi reproduzido pelos participantes que não conheciam a obra. Ao avaliar o prato, Paola revela a inspiração para a escolha deste prato e chora ao contar sobre e filme, relatando ter sido apresentado a ele pela mãe que, por não poder lhe pagar um curso de gastronomia, queria que ela mantivesse a paixão pelo que amava, assim como Babette fez em silêncio por tantos anos.
É interessante perceber como, de certa forma, a Babette realmente molda um modo de ser de Paola. Há uma postura do corpo que é repetida, assim como um olhar e um gesto apaixonado pela gastronomia. Há, inclusive, um respeito por uma atividade que, de certa forma, não deve ser maculada, mas levada sempre ao seu extremo, como se comer fosse e tivesse que ser sempre êxtase. Assim, temos uma Babette que só queria que comessem seu prato, só queria poder passar o dia a dar aquilo, como em toda verdadeira arte, que foi forjada pelo mundo para fazer. Paola, ao que parece, repete o gesto, uma dessas forças criativas que o mundo jamais consegue segurar, engendrando uma ideia que pouco lembramos: de que a arte pode produzir a vida, pode repetir a vida, pode construir e inventar a vida. Neste caso, Babette criou uma Paola que hoje, na televisão, nos devolve a Babette, mais muito mais. Para quem ama gastronomia, Babette e Paola, duas forças da arte gastronômica, duas mulheres – e isso é altamente relevante porque empodera, porque altera a ordem patriarcal das coisas – mudam o paladar de cada um de nós. Babette muda um vilarejo, Paola, no Masterchef, vem mudando o paladar do brasileiro.
A Festa de Babette (Babette Gaestebud/Dinamarca, 1987)
Direção: Gabriel Axel
Roteiro: Gabriel Axel
Elenco: Bibi Andersson, Ebbe Rode, Gudmar Wivesson, Jarl Kulle, Jean-Philippe Lafont, Stéphane Audran
Duração: 102 min.
Fonte: https://www.planocritico.com/critica-a-festa-de-babette/
https://www.metrojornal.com.br/entretenimento/2019/08/18/masterchef-brasil-paola-emociona-todos-ao-explicar-sua-historia-com-festa-de-babette.html
Para assistir o episódio, acesse (Paola comenta sobre o filme a partir de 6:00):
Veja o trailer do filme: