Travessuras de Minha Meniná Má – Livro I, de Otávio Bravo, é um romance livremente inspirado no romance (quase) homônimo de Mario Vargas Llosa: Travessuras da Menina Má. Entretanto, neste primeiro volume, a tal menina ainda não aparece. O livro I de Bravo conta a história de Victor, um rapaz grande, tímido e desengonçado, filho de imigrante inglês – veterano de guerra – com uma brasileira. A história se passa na infância e adolescência de Victor, principalmente na década de 80 de um Rio de Janeiro efervescente com o fim da ditadura militar e abertura política, acompanhando seu grupo de amigos que viviam pelas praias da zona sul carioca, além dos reflexos de uma cidade que começava a reconhecer suas próprias desigualdades sociais, raciais e políticas. Ao lado de Victor, sempre, Caíque, seu irmão e maior ídolo, de rara beleza, carisma e simpatia, que arrastava o irmão introspectivo pela cidade para viver as primeiras experiências de uma vida adulta. O livro conta também relacionamento de Victor com Marcella, desde o começo, passando pelo nascimento de sua filha Clarinha, assim como de sua vida profissional na Inglaterra como estudioso da Idade Média e cultura árabe, inspiração do pensador Jacques Le Goff. Confira as melhores frases da obra:
Os sedosos cabelos castanhos, cor de avelã torrada, e os olhos verde-mel já estavam lá, a dar conceito divino à beleza humana.
Nós, adolescentes daquele tempo, éramos racistas.
Pertencíamos a outra época da História. Nos anos 80, o apartheid ainda vigia ali, do outro lado do Atlântico, e, ao norte, fazia uma só década que os americanos haviam conseguido deixar de lado as imposturar do equal but separate, que, não por acaso, separava, mas tratava os negros de forma desigual.
O episódio lhe serviria, no futuro, como alerta perene das armadilhas provocadas pelos traços desprezíveis que todos trazemos à alma e muitas vezes não nos damos conta.
-Você não acha que eu já estou mudando o mundo?
Agora, independentemente do que viria à frente, eu já sabia que era nosso o tempo futuro e havia necessidade alguma de dar publicidade imediata à felicidade comum. Havia o resto da vida pra isso.
Um homem que participava de guerras, encarando a própria porte de perto algumas vezes e sendo obrigado a subtraí-la de jovens soldados inimigos em campos de batalha, se tornaria, quase naturalmente, cético em relação à vida e precavido quanto ao futuro. No que se referia aos filhos, era natural que se tornasse exigente.
A guerra era mesmo uma merda, mas como explicar isso a quem a tinha nas veias?
Pois, no curso da existência humana, há perdas inevitáveis, daquelas que despedaçam. São as mais terríveis nas quais não há ganho ou escolha – é preciso aceitá-las e seguir em frente. A vida – eu ainda não sabia – me reservaria algumas em futuro não tão distante.
A desvantagem da vida, que era não fazer parada, era simultânea vantagem, e o tempo amainava até o mais insopitável dos acontecimentos. Da mesma forma que não se podia gozar eternamente os regalos da existência, também não permaneciam para sempre as dores do infortúnio.
Eu não sabia, mas naqueles pensamentos caminhavam de braços dados erro e acerto, pois nas questões do coração as certezas são tão enganosas quanto maravilhosas são as novidades.
Fonte:
Travessuras de Minha Meniná Má – Livro I, de Otávio Bravo
Editora: Chiado
Ano: 2018
Páginas: 360