Autor: Paulo Leminski
Editora: Companhia das Letras (Poesia de Bolso), 2016
Aqui, poemas para lerem, em silêncio,
o olho, o coração e a inteligência.
Poemas para dizer, em voz alta.
Poemas, letras, lyrics, para cantar.
Quais, quais, é com você, parceiro.Paulo Leminski
Se eu fosse escolher uma palavra para falar da poesia de Leminski, seria “trânsito”. Por mais estranho que isto possa parecer e por mais que “trânsito” na cidade contemporânea signifique algo mais parado do que em movimento, creio que para Leminski, a palavra trânsito é perfeita. Digo trânsito porque o poeta é um dos poucos capazes de fincar uma bandeira na cultura, tanto pop quanto popular, e permanecer absolutamente erudito e reflexivo sobre o ato e a missão da poesia. Além do mais, sua poesia é de trânsito também pelo fato de que Leminski, em toda sua vida, não se filiou em nenhuma escola literária, pelo contrário, transitou por todas elas e foi acolhido e acolheu pensamentos, por vezes, díspares. Caprichos e Relaxos é o resultado disso: entre o que caprichamos e o que relaxamos está aquilo que somos.
Caprichos e Relaxos (1983), de Paulo Leminski, é a obra mais famoso do autor. O livro, que se tornou best-seller logo na época de seu lançamento, contém os principais poemas de Leminski escritos até aquele momento e seria, de certa forma, a obra que consagraria o autor como um poeta reconhecido em nossa literatura brasileira. Celebrado tanto pelos concretos quanto pelos marginais, Leminski tornou-se, agora, famoso de todo público com o lançamento de suas obras completas: Toda Poesia. No entanto, Caprichos e Relaxos é onde podemos melhor conhecer o poeta. O livro foi relançado pela Companhia das Letras em seu nome selo Poesia de Bolso.
O jogo que se dá entre as palavras na obra, me parece, tem a ver com a definição de Leminski sobre a poesia. Ele a vê como um “inuntensílio”, ou seja, aquilo que não tem utilidade e no seu inútil, pode se tornar latente como potência criadora. Assim, há um constante – de novo a palavra – trânsito entre os usos e formas da língua, como em:
minha mãe dizia
— ferve, água!
— frita, ovo!
— pinga, pia!
e tudo obedecia
Ou até reflexões sobre esses possíveis caprichos/relaxos de um Contranarciso:
em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas
o outro
que há em mim
é você
você
e você
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós
Se esta resenha pode apresentar algum insight sobre a obra, algo para além do que já foi dito e desta breve apresentação, creio que poderia ser a ideia dupla entre capricho e relaxo. Vejo que o capricho pode ser visto como um dom da poesia, ou seja, um espaço inútil, mas vaidoso de abrir uma fenda no tempo deste mundo veloz para escrever. A poesia é um capricho, essencial, mas um capricho. No entanto, como tal, não pode ser feita de vaidades, pelo contrário, a poesia é o capricho que nos violenta, que nos dobra o mundo e que, portanto, necessita uma alta dose de “relaxo” para ser livre. Entre um capricho relaxado e um relaxo caprichoso, eis a poesia de Leminski. No fim da obra, inclusive, Leminski abre até espaços para certos caprichos de flertar com o concretismo, pensando na materialidade da palavra. Tudo isto, claro, sem perder o seu jogo constante com a invenção da língua.
Uma obra essencial, leve e densa, que transita por nossa história da poesia, pela modernidade, pela cultura pop e, porque não, por dentro de nós.
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