Você já leu os melhores poemas da Aline Bei? Um dia, correndo o feed do meu Facebook, me deparei com um poema de Aline Bei. Não consegui entender direito o que aquilo me fez sentir, tamanho o espanto: percebia, de um lado, uma linguagem corrente, bruta, de muitos cortes. De outro, uma potência que transbordava a simplicidade. Ela falava da casa, de um copo, de um cachorro, mas tudo era muito mais. O corpo falava mais que as palavras, as palavras falavam mais que o poema. Estava eu diante de um poema? O espanto continuava. Eu tinha certeza que sim, mas não sabia encontrar o porquê. Depois dessa experiência, passei a acompanhar o blog da escritora e, posso dizer que, até hoje, o espanto da primeira leitura permanece. Para quem quiser ler um pouco mais de Aline, recomendo muito seu blog: https://alinebei.wordpress.com/
Luiz Antonio Ribeiro
Confira uma seleção dos 10 melhores poemas de Aline Bei:
O ATRASO
chutei as pedrinhas da estrada quando senti que você não vinha
Mais.
Tirei elas do meu caminho, deixei só
a Terra,
que sempre levantava com o vento, nascido das rodas rápidas que passavam por ali e
não paravam.
Estava tudo certo para termos a melhor semana das nossas vidas, pelo menos eu.
De noite conversamos por telefone, você disse
das malas prontas, mas hoje
desviou o caminho,
preferiu pegar a estrada sem mim e eu aqui, na rodoviária feito
Besta, num choro engasgado de
peito, uma
ânsia.
Pensei que podia ir atrás de você até a sua cidade, mas que ridículo isso seria.
Porque um dia
Morro
e não sei
Quando, desperdiçar o tempo é criminoso por ser jeito de matar, também.
Olhei minha mala em estado de
Espera, era
triste. Eu de calça jeans, batom e bota te esperando era
ainda mais Triste, o amor
é história pra boi
Dormir. O que existe
é a sede,
amor é feito de 2 ou mais pessoas e 2 ou mais pessoas
Raramente concordam em qualquer coisa, por isso viram pó e
desilusão.
Você foi muito Covarde, hoje.
Avisar antes
pode ser legal. Passou um ônibus escrito
Salvador
que parou para uma família entrar. Entrei junto,
pra não voltar, esperando sinceramente que você se Foda porque eu
estava Machucada
Demais.
O pessoal que ficou na rodoviária
Te viu
Chegando
20 minutos depois, mas o pessoal da rodoviária não sabia quem era você e também não sabia
quem era Eu, 1 mulher sem celular
desde semana passada, por culpa do filho
da puta de um
Ladrão chamado Pedro, um garoto de
17 anos
que pretendia se casar com a namorada assim que tivesse grana
o Suficiente
pra isso.
DANÇANDO EM SILÊNCIOS
deslizar sobre você com o meu corpo todo
inclusive com as minhas
celulites, você gosta?
me chupa
de luz
acesa inclusive na minha
magreza, nas minhas veias
grossas como coxas,
Minha pinta grande
demais nas costas, minhas
Olheiras, te beijar
com meus dentes tortos e sorrir pra você porque eu te amo, minhas sardas, meu
Cabelo precisando de um novo
corte, mas
o dinheiro tá
Curto ou longe
de mim, te
foder
com a minha força que acaba
rápido e logo preciso da ajuda
de suas
mãos na minha bunda,
pra cima
pra baixo, você
gosta?
Eu gozo,
depois da transa te coço
Com as minhas unhas muito curtas por serem de 1
mulher, o meu
pé
tá seco na
sola, precisa de creme, minha Unha
caiu, precisa de band aid, a gente dança nu no quarto de hotel.
Cê me pergunta carinhoso o que houve porque eu tô com 1 roxo
enorme na coxa,
foi quando eu trombei com a parede naquele dia que a gente
discutiu, mas
escuta, você gosta
de passar essa noite
comigo?
Apesar das estrias, do cu
lote, da barriga um pouco inchada que eu não vou ao banheiro faz
dias, apesar das musas todas que eu não sou
nenhuma, ainda assim,
Me diga
se sou uma Mulher possível
de se guardar o tesão
dentro.
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PISCINA
a primeira vez que nadei num Clube foi meu tio,
des-casado com a minha tia,
que me levou.
Eu estava de viagem na casa da prima. Ele veio buscar a menina que pais separados
veem filhos de sábado
e domingo, assinam papéis pra decidirem assim.
Ele chegou avisando de buzina. A prima pegou a mochila pronta e me deu um:
-Tchau.
bem seco, só pensava em Piscina naquele dia quente e ainda era cedo, 9 horas
da manhã.
Ficariam só os adultos na casa e eu.
Minha mãe me ofereceu Fanta uva num copo verde, ou seja, aparentemente
ia ficar azul o líquido e isso me animaria a beça se fosse outro dia qualquer, mas era muito Sozinha
ficar só eu de criança numa casa que não era
a minha.
Meu tio notou do portão o tamanho
do meu olho de
triste. Perguntou
– cê não Quer ir junto?
Com voz de quem realmente gostaria que eu fosse, até então eu não estava me sentindo bem vinda por culpa da prima que só queria
Competir.
Amei meu Tio aliviada e olhei
pra minha mãe
com esperança, ela olhou preocupada pra minha tia e disse:
– ela tá sem biquíni.
–Ela nada de calcinha, eu ouvi
minha tia
dizer.
eu não queria nadar de calcinha. Escapou com força da minha boca a frase:
– eu não quero nadar de calcinha.
Apontei pra porta do quarto da prima:
– a Ju tem maiô guardado na gaveta.
– Mas a Ju é mais velha.
– prefiro nadar com maiô grande do que nadar de calcinha.
E prefiro nadar de calcinha do que não ir pro Clube, mas isso
eu não disse
pra ninguém.
Minha Tia foi até o quarto e pegou o maiô vinho da minha prima dois anos mais velha que eu.
A prima
colocou a cabeça pra fora do carro e ficou olhando
eu pegar tímida
o maiô dela e ir pro banheiro me trocar, nossas competições eram muito
sutis.
Entrei no banheiro, tirei a roupa.
O maiô da Ju tinha o cheiro dela, o formato
dela, colocar aquilo era quase como
Roubar aquilo, me sentia um pouco má com amargo no peito. Mas não ia nadar de calcinha na frente
do clube todo, muito menos na frente
da Ju pra depois virar
chacota. Vesti o maiô e encarei o espelho. Estava grande, um pouquinho, mas eu estava
bonita. Combinava com os meus joelhos aquela cor vermelha-escura.
Eu estava até
mais bonita que a Ju vestida com o mesmo
maiô, já vi ela usando no Natal do ano
passado, num pulo na piscina do vizinho e a visão
do seu
Bum
Bum não saiu da minha cabeça. O maiô continua servindo no Natal
desse ano porque
a Ju
Cresceu pouco. Eu cresci muito. Tenho até
pelo
no lugar que fica a calcinha que agora
está o maiô
e que antes
ficavam os pelos da Ju mais velha, por isso
ainda mais
peluda. Pensar naquilo
me deu
1 tremedeira nas pernas e um
molhado no meio das pernas, coloquei a mão pra passar.
que coisa,
A sensação
de tremedeira ficou mais forte, eu me senti um
tigre,
Deitei de bruços no chão do banheiro e esfreguei meu corpo
No piso gelado pensando
naquele dia que a Ju mexeu por horas no meu cabelo pra fazer uma trança e irmos pra festa.
Minha mãe bateu na porta tentando abrir,
–Deu certo, filha?
Levantai num
Salto. Respondi que:
-sim!
Ainda bem que eu tinha trancado e
antes de abrir a porta do banheiro me olhei de novo no
espelho pra ver se a minha cara
estava
Denunciante, mas
até que ela estava
1 cara
Normal.
MÃE MORTA
tropecei no bambolê também porque usei uma velocidade muito acima do necessário pra buscar a bola
de vôlei que
Ia cair
em Cheio
no Jardim do velho rabugento, eu
já estava vendo
aquelas Margaridas
Voando
com as pétalas
em migalhas, culpa da cortada
Mal dada
diretamente na cabeça das
Plantinhas.
Eu corri, mas tropecei no bambolê intrometido, esquecido na beira da calçada acho que até por mim, e caí
de joelho
no asfalto sem poder evitar
a morte, as pétalas
Voaram
exatamente do jeito que eu imaginei porque não era a primeira vez.
Deu pra ouvir os passos
pesados
Do velho rabugento descendo as escadas Louco da vida,
louco também pra furar a nossa bola pra sempre, assim a gente parava de Destruir
O jardim
Dele, éramos Bomba.
Até tentávamos brincar longe
Da casa
Do velho, mas
que batata, a bola
tinha Imã e caia categoricamente em cima
das plantinhas mais bonitas do Jardim, pra matar.
Corri pra pegar a bola antes do velho, o sangue no joelho
escorrido pra canela
não me assustava porque
eu ainda não tinha o visto.
Peguei a bola, o bambolê (mas não devia) a mão da minha amiga que me disse preocupada:
-cê tá bem?
Fiz Uhum com a cabeça, só pensava em dar o fora antes do velho
chegar, tínhamos a idade curta ao nosso favor o que era
um vento e corremos
Pra dentro
Da minha casa, latejantes.
2 criminosas.
-Bandidinhas! – o velho gritou
Ouvimos com o coração
na boca.
Tínhamos medo da cara do velho. Fechamos a porta pra tudo isso e
sentamos de costas pra ela
Rindo
Nervosas, tão
meninas. Foi quando eu vi a minha meia antes branca
Agora
Vermelha.
Foi quando eu vi o Rombo
no joelho
direito, tudo vermelho na minha
Pele
Marrom. Senti um Peso na perna como se eu não pudesse dar mais
Nenhum passo na vida, o olho
Ficou molhado,
As bochechas
Vermelhas molhadas,
A boca
Salgada Abrindo do tamanho do mundo
pra chorar muito
Alto,
assim quem sabe a minha mãe conseguia me ouvir.
A SALVAÇÃO
um cheiro de sopa. Vinha do corpo da velha sentada com calças antigas, esperando o filho
que estava pedindo um suco
pra ela, no balcão, e uma colher.
Com tatuagem no braço escrito Giovanna, ele levou tudo pra mesa
com um sorriso que só tinha olhos
pra mãe.
Abriu a marmita de mandioquinha empapada
e começou a dar na boca
Dela, barulho de ferro
entrando
e saindo da mucosa sem dente, uma cara sem osso, a velha usava
meia
com chinelo, idade
com peso Da idade.
Ele falava um pouco alto pro ambiente da lanchonete não tão grande.
Falava:
-Come mãe.
-Tá gostoso?
-A senhora tá cansada?
E falava com muito carinho,
Muita paciência. A mãe de corpo estava lá mas ela já não era
A Mãe de
Anos
atrás. Ela agora era uma árvore
oca.
Se a abrissem com um machado, sairia
algumas
poucas formigas e
nada mais. Era uma velha
muito velha aquela senhora. Será leve pra Morte a levar de tão magra.
Depois que acabou a sopa, o filho colocou ela de pé para irem
embora.
Antes ele passou no caixa
pra pagar a conta
O que deixou a velha bastante inquieta, bunda
pra dentro, calcinha gigante, cu limpo não por ela, mas pelo Filho com
o papel higiênico da
folha
mais macia que existe no mercado. Aquela velha era um bebê
antigo.
Tão frágil que fragilizava o mundo que colocasse os olhos nela, quem
colocasse os olhos nela pensava em morte,
pensava em hospital.
Menos o filho. O filho pensava na mãe que ele sempre teve e que
dava gemada pra que ele
crescesse um touro, funcionou. Agora que a mãe precisava
de um braço, o filho lhe deu um abraço dizendo
vamos?
E ela foi.
O tempo
é uma Bigorna caindo lenta no corpo da
gente, anos
E anos
Atrás, essa Mulher foi Amada
por alguém em algum nível o suficiente pra fazer um filho nela e seguir
sendo amada,
hoje em dia,
pelo fruto
de uma noite de
sexo em que com certeza
pelo menos 1
gozou.
E tem gente que ainda tem coragem de dizer que sexo não é
importante.
SOLEDAD É A PALAVRA MAIS BONITA PARA SOLIDÃO
Roberto dava chilique pra cantar. Numa hora qualquer da música ele debatia o corpo, rangia o rosto
Negro, encolhia os ombros e a voz altíssima não necessariamente no
refrão, era lindo.
As pessoas da plateia ficavam como se estivessem vendo a Lua de
dentro do mar e a água
quente, inclusive eu ou
especialmente.
Roberto usava um terno preto rigoroso mas a gravata era de glitter. O brinco
Era dourado, numa orelha 1 argola
Na outra
um botão.
Nada em seu canto era comum e quando era o solo
Dos músicos, Roberto
Virava de costas pro Público
Pra se tornar ele mesmo parte do público dos músicos de jazz.
A figura
Dele se apagava quando ele virava de costas, mas nunca esquecido.
Era como se ele emprestasse a sua luz pro moço do piano, pro
menino
Da batera, pro homem-cara-fechada do
Contra
Baixo. O homem do contra
Baixo morava dentro do seu instrumento como numa quitinete de
aluguel muito caro. O do piano ás vezes comia em cima do
Piano e derramava líquidos
Sem querer
Nos teclados.
O menino da batera tocava seu instrumento de toalha pós-banho.
Já O Roberto tinha a voz de instrumento, definitivamente vivia na
música, voz
Não se vende nem se troca nem se compra numa loja melhor. Voz é de deus, se existisse coisa
Desse tamanho. Como não existe, voz
é gravidez.
O cantor é gestante da música, o Roberto do Jazz e entregava tudo que sabia
Pra gente-plateia, inclusive eu
ou especialmente, que tomava meu drink sem acertar a Boca porque estava hipnotizada. A maioria das mesas da casa
eram de no máximo 4 pessoas,
com 2 casais amigos quase sempre perto dos 50 anos, vestidos elegantemente em perfumes variados no ar. Tinham vivido pra estar ali.
Pelo Roberto, essas pessoas
paravam.
Erravam seus garfos na boca, como eu, só que mais discretos.
Não pensavam mais se fazia quase uma hora que não saiam pra
fumar um pouco de ar, se tinham
Medo de morrer, se fazia anos que não transavam com seus maridos
e esposas em noites de um dito:
-Boa noite.
apenas, seguido com o pagar do abajur do seu lado do criado mudo
enquanto o outro ficava lendo
Qualquer coisa que não
Importa nem no macro nem no micro do Mundo. O silêncio dos casais
depois dos anos é triste porque não é um silêncio
Preenchido. Mas no momento da música do Roberto,
toda gente que ouvia Esqueceu.
Eu pedi nina Simone porque o lugar era pequeno e podia pedir.
O roberto me disse que não sabia cantar Nina Simone, mas sabia
Cantar uma música que era a cara dela e eu vi a Nina
Deitada tomando Sol enquanto ele cantava aquela canção que eu não conhecia e nem sei
Como Encontrar.
Então houve um Intervalo. O roberto sentou
na cadeira do corredor fora da luz do palco, os músicos foram pro bar,
Cada um descansa
Como pode não como deve e os Casais começaram a pedir a conta.
débito.
Crédito.
Dinheiro não se vê mais. O dinheiro é só uma ideia guardada nos
números que faz o mundo funcionar como uma Roda.
O Break de Roberto era de 15 minutos. Ele na cadeira sem luz parecia um
Velho que desistiu.
As pessoas foram embora de mansinho.
Aquelas mesas vazias ainda estavam quentes. Depois do intervalo de 15 minutos que pareceu mais longo,
Só ficou na casa de jazz o Roberto, a banda
E eu,
Além dos garçons, que só podiam ir embora depois das 2 da manhã.
O Roberto cantou pra mim sem me olhar, cantava olhando pra frente como se a casa estivesse Cheia.
Cantou igual com se a casa estivesse cheia.
Deu chilique do mesmo jeito, apresentações incríveis só para 1
pessoa dá vontade de chorar. É como uma cidade
Vazia.
O Roberto e a banda cantaram mais 5 músicas que eu não pedi
nenhuma. Quando acabou tentei aplaudir o mais forte que pude pra
Compensar a plateia que não estava.
Queria dizer com os meus aplausos que era só eu, mas
eu estava escutando pra caramba.
Dei parabéns a todos com palavras, também. Sai pela porta da frente, a bolsa solta
no corpo. Pedi meu carro pro manobrista que foi bus(car) no
quarteirão e que demora, o Roberto saiu
Enquanto eu esperava.
Saiu pequeno, com a pasta de músicas debaixo do braço. Disse pro
segurança da casa:
– Só volto semana que vem.
Os 2 pareciam velhos amigos e eram negros como
Seus ternos. O segurança o chamou de:
-Robertão.
Com tapas nas costas, Imaginavam que voltariam a se ver semana
que vem, mas
no fundo ninguém sabe exatamente se sim porque a morte
Existe.
Depois,
o Roberto saiu caminhando pela alta madrugada sem nenhum
resquício de ser
1 Gênio.
QUE AMA FAZER SEXO COM VOCÊ
meu pescoço fica alto
relevo em veias quando faço
força pra empurrar o sofá em dias de faxina, quando pego
o cachorro da vizinha,
também quando falo mais longa
pra ser ouvida por alguém mais
longe
de corpo
que eu.
Meu pescoço tem alguns pelos que são cabelos no
começo de ser 1 cabelo, finos, curtos,
Desajeitados. Quando engrenam
Se misturam com a cidade capilar já tão habitada para nunca mais ninguém
o encontrar como individuo porque a partir de então o começo de cabelo deixa de ser 1 para ser
o todo.
Meu pescoço quando ama fica muito comprido, a pele
vira cobra, gira 300
e 60 graus por amor. Meu pescoço não tem boca, a sua língua
é referência de boca pra ele.
A nuca são os olhos,
1 pescoço é uma pessoa Inteira. Tem seus pessimismos, nos dias que trava. Aguenta o peso da cabeça que é a coisa mais gorda do mundo sem reclamar, não porque é um santo, mas
porque não tem boca. As veias são jeitos possíveis de dizer que quase ninguém escuta. Mas a voz também, quase ninguém escuta.
Por dentro,
o pescoço é um taxi de líquidos e massas. Por Fora plácido, ingênuo. Por dentro muito trabalho no transporte, por isso ele é
em pé. Minha pintas
desaparecem nele dependendo da luz. Quando estamos na cama escura não tenho pintas.
às vezes
esqueço de passar sabonete nele,
perfume nunca, meu pescoço é tão
bêbado.
Às vezes ele fica comprido pra ajudar o olho
a ver, no meu caso te ver
chegar. O pescoço cede, tranquilamente, o protagonismo pra Cabeças.
Vive miúdo, sem alardes. Dança por amor a música, dobra por amor ao Riso.
Sua grande felicidade é ser tocado, na verdade
o Pescoço é um sexo.
AMOR SERIA BOM (DEMAIS) PRA MIM
Regiane sempre foi minha amiga, eu pensava.
Ficávamos juntas na hora do intervalo.
Tinha certeza que se um dia eu esquecesse meu lanche ela me daria sua bolacha de morango e no dia que eu esqueci minha maçã
ela
Não me deu
Absolutamente Nada,
fiquei assistindo Regiane comer e ela
comendo me assistindo Assisti-la. Pensei,
ela deve estar com fome. Foi na quinta aula de matemática que eu entendi o que era
Fome.
Cheguei em casa num pequeno desespero que minha mãe se preocupou e pediu desculpas pelo
esquecimento. Eu disse tudo bem e almocei
muito rápido pra comida entrar logo em mim e matar aquela sensação de vazio, mas
o vazio não morreu depois do almoço,
fiquei a tarde toda com o Rombo de Regiane.
Tínhamos muitos momentos juntas. Ela era cheirosa e mais alta do que eu.
Os meninos
desmoronavam quando ela passava, ficavam falantes, jogavam bola com agilidade. Depois que ela ia embora pareciam
moscas.
Teve um dia que ela foi melhor
na prova de inglês
do que eu.
No intervalo, que tudo o que importa
Na escola
Acontece no
Intervalo,
Ela contou pra todo mundo da nota dela versus a minha e foi muito amada pelas pessoas.
Tínhamos aula de argila no colégio. Tínhamos que trazer camiseta maior pra cobrir o uniforme e não manchar.
A Camiseta, depois,
ficava com um cheiro forte de giz de cera vencido. A Regiane espirrava muito com o cheiro. Pedia pra colocar a camiseta no meu armário do colégio
que ficava com cheiro duplo,
o meu
o dela.
Eu nunca falava não. Mas me sentia triste de um jeito pequeno.
Virou o ano com peru morto na mesa da minha família,
Fogos no céu do recém chegado 1999 e a
Regiane
Mudou de sala. A diretora fazia isso, separava
as panelas
pra que brotassem outras relações.
Não Reclamei.
Regiane reclamou muito. Fez que lutou duramente pra mudar de sala
Mas quando perguntei pra diretora,
Regiane não tinha ido nenhuma vez falar com ela pra pedir qualquer coisa que fosse, nem 1 clips.
A gente se via nos corredores, ela dizia de saudade. Eu dizia de
saudade. A verdade não existe em fatos, só em relações menos
na nossa.
Nossas classes eram porta com porta, nossos professores pediam gizes emprestados
1 para o outro e nós duas
Distantes como se fosse geográfico o nosso motivo.
Era ódio o nosso motivo, um ódio calado na companhia que nos obrigávamos a fazer uma pra outra.
Nossas mães
Nem se conheciam, nós não morávamos perto, não nos dávamos
Carona, nem intimidade, nem amor. Eu também fazia as minhas. Falo dela, mas um dia deixei uma saúva picar o braço de Regiane de caso pensado só pra ver
Coceira e
Inchaço no corpo da minha amiga ou
A vingança. A gente se obrigava a ficar juntas porque além do ódio mútuo
a gente
detestava muito
a si mesmas, precisávamos perdidamente nos machucar.
Nos mutilamos por anos, 2 Soldadas de guerra. Agora, mais velhas,
não aguentávamos mais tanta pele aberta.
Comecei a me amar com 17 quando eu e Regiane nunca mais nos
vimos depois da formatura de colégio.
Tchau, tchau quando acabou a festa mas era
Adeus.
ELÁSTICO
Valéria acha sexo importante.
Dança salsa na academia e salsa
na boate mas na boate ela dança diferente porque
não é treino.
Ela tem que estar boa, na pista. Terrivelmente boa.
Na boate ela requebra o corpo magro, esbanja classe. O ritmo lhe toma os ossos, entra em cada poro e logo
seu cabelo longo marrom fica preto
por culpa
do suor. Ela faz um Coque. Dá pra ler na nuca que ela tem menos de 30
anos.
Valéria sempre Recebe convites pra dançar de homens mais velhos.
Aceita todos sem dizer sim com a boca e o que dá
Tesão na moça são as coxas
no meio das
dela.
Salsa é chave na trinca, peito com peito
Suor molhado e molhando, geralmente com um ser desconhecido até 5
minutos atrás, mas
na hora da dança, intimidade abso(luta).
Ela dá muito para os homens que dançam com ela,
às vezes no banheiro ou perto da chapelaria, o pessoal da boate
sabe e acha
fofo. Era Valéria uma grande cliente e o mundo vira livre pra quem
paga que sim.
Outras vezes, o sexo com os homens da dança demoram 1 janta e demorar a janta já era demorar demais. Valéria pensa na morte e acha
sexo importante, não bom.
Ela Aprende muito com a dor da penetração, aprende mais com o encaixe dos corpos do que com as conversas
nas jantas pré-transas e na academia pré salsa, vida modesta a que ela levava, sem grandes descobertas.
Era mesmo só no sexo, com os tantos tamanhos de pau, que Valéria entendia o quanto Tudo cabe dentro da gente, por mais frágil que possamos
parecer.
Estraçalha a gente, Esfola, Encarde mas cabe.
Cabe e a gente aguenta qualquer tamanho de tragédia.
Quando ela vem, se vem, é porque estamos prontos pra ela.
Já no Amor,
Valéria prefere as mulheres.
CHUVA
te cheguei aos 30, bati na sua porta
de quarto
de hotel.
Você cansado de tudo, lindo de tudo depois dos longos meses do primeiro dia que nos vimos, me abriu a porta mas me viu do olho
Mágico, antes.
Ficamos nos encarando, comendo o nosso silêncio,
tentando entender de onde vinha tanto pulso, afinal. Tínhamos Horas
pra desvendar a química, que passariam depressa como passa uma chuva de verão e
sabíamos. Depois fica o cheiro do asfalto molhando.
Fica o cheiro até de noite pro resto da vida.
Demos um abraço
compacto nos nossos corpos, você pequeno de jeans, eu menor de saia jeans e
já dava pra sentir seu pau no que seria
o começo
da nossa
primeira transa. E que seria a última, muito provavelmente, já que não moramos nem no mesmo
País e a vida é
curta de um dia pro outro imagine então com meses. Imagine o peso
dos anos, dia após dia.
Nosso tempo daquela tarde era um mar pra ser desfrutado da maneira mais profunda que conhecíamos, trepar com amor.
Depois a tarde viraria memória daquelas que a gente não esquece
nem
por 1 dia e sorri
sem perceber, quem avisa são as pessoas:
– você tá rindo de que?
o Amor.
Depois do abraço, a nossa boca se encontrou devagar, nossas línguas se testaram em temperaturas parecidas, se lamberam primeiro fora depois
dentro
da boca e o nosso beijo foi ficando fundo,
cada vez mais
fundo e parecia que tínhamos alcançado o estômago um do outro,
grudados como cola, sem espaço até
pra tirar a roupa, teu peito apertando meu peito que pulava da blusa branca e você viu.
Olhou pra ele por horas, na cama segurou a mama
com a mão por baixo e
beijou o bico como se fosse uma mulher Inteira.
Meu pescoço caiu, eu era forte e fraca, minha perna totalmente
Aberta,
ensopada por todos os líquidos de uma tarde de chuva
e sol. Te Usei uma grande quantidade de saliva. Lambi sua bunda por dentro, dormi na lombar. Agarrei seu cabelo, restou cabelo meu
nas suas coxas, 1 fio comprido e liso pra provar que isto
Aconteceu.
Você cantou pra mim uma canção da sua terra que me fez chorar de saudade antecipada de você.
Por que amar alguém tem que ser amar alguém que mora tão longe?
Um encontro como o nosso consome a vida, não teríamos tempo de nos mergulhar o tudo que queremos nem que fossemos vizinhos de porta e a parte mais difícil foi ir embora porque
era um Ir
de quem não sabe se volta, minhas escolhas
não dependem só
de mim.
Tentei fazer do tchau uma coisa leve. Te dei a última roçada, você
me agarrou as coxas e me chupou
a bunda como se a sua
língua
fosse 1 pau.
Dissemos até logo de boca grudada, suados, com cheiros sorrindo e foi você fechar a porta
que eu chorei do tamanho
De um Rio alagado e
ainda escuto, no ônibus da volta,
uma mulher ao telefone dizendo que amor
não é Importante.
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