O manguezal é um ecossistema de regiões costeiras, coberto por vegetação chamada de mangue, que também serve como seu sinônimo, onde se exploram produtos como a pesca do caranguejo. Você deve ter aprendido isso na aula de geografia. Mas o que não ensinam na escola é o que acontece quando um potiguar sem passado ou futuro se embrenha no mangue. Entretanto, não se afobe: quem nos conta essa lição através do cinema é a premiada diretora Eliane Caffé.
Pedro (Felipe Camargo) perdeu a memória. Junto a ela, ou talvez pouco antes, sumiu também uma grande soma em dinheiro. Sedento para reaver os dividendos, um grupo o tira da beira da praia e o arrasta até um galpão, onde, após ser constatada sua perda de memória, ele fica amarrado numa cadeira tal qual José Arcadio Buendía ao castanheiro. Todas as acusações e perguntas soam muito estranhas para nós e nos confundem, como se estivéssemos dentro da cabeça do desmemoriado Pedro. E aí começam os flashbacks.
Pedro é um babaca. Ele é violento com a parceira, interpretada por Titina Medeiros. É também companheiro de farra de um italiano, que faz as vezes de vilão (são denunciados brevemente como seus crimes esquemas de corrupção e turismo sexual). Essas lembranças voltam aos poucos, bem como lembranças do pai, de um passado mais distante. Após decidirem sobre um acordo que não faz total justiça, Pedro fica sem seu barco e passa a vagar pela vila, ainda assombrado pelo passado do qual não se lembra. Conseguirá ele se tornar uma pessoa melhor?

Numa roda de mulheres discutindo violência doméstica, uma senhorinha diminuta relata que seu sofrimento só cessou quando do divórcio, e que as mulheres devem focar no que têm de talento, naquilo que sabem fazer e pode ser usado para garantir sua subsistência e, eventualmente, dar a volta por cima. Conquistar a independência financeira leva muitas mulheres a reunir forças para lutar contra a violência doméstica e dar para sempre um “basta” em suas vidas. Mais sensatas que essa senhorinha só as crianças que interrompem uma brincadeira para dar conselhos para Rita (Maria Alice da Silva), filha de Pedro.
Há uma personagem trans ambivalente. Ela é subaproveitada, mas tratada com relativo respeito. Faz parte do grupo de mulheres contra violência doméstica, o que corrobora com a ideia de que já foi aceita e está plenamente inserida entre as pessoas do gênero feminino. Por outro lado, quando “ameaça” se candidatar a presidente do sindicato, um homem diz que com ela na presidência o sindicato não será respeitado.
Na sequência em que levam Pedro da praia ao galpão, a câmera se torna frenética, numa mão que treme para manter em foco nosso protagonista. No restante do filme não há ousadias técnicas como esta, mas destacam-se as sequências praticamente sem diálogos quando é mostrada a exploração do mangue.

Filhos do Mangue ganhou no Festival de Gramado os Kikitos de Melhor Direção e Melhor Atriz Coadjuvante para Genilda Maria. As gravações aconteceram no Rio Grande do Norte, por isso nada mais natural que sua pré-estreia, após fazer carreira em festivais ao redor do mundo, fosse em Natal, capital do diminuto, porém rico e diverso estado.
Eliane Caffé é diretora, editora e co-roteirista. Neste quinto filme que faz como diretora, Eliane deu muito espaço para a improvisação, pois o plano de seguir à risca o roteiro, baseado no livro “Capitão” de Sérgio Prado, foi por água abaixo quando a equipe chegou às locações: “Depois, quando chegamos na Barra do Cunhaú, tudo foi virado do avesso. A própria localidade e seus personagens começaram a apontar novos caminhos de narrativa“, conta Eliane.
Um dos temas que podem ser pensados para debate durante a visualização do filme é o recomeço. Mas este não é um simples começar de novo: ficando na mesma cidade de origem, cercado pelas mesmas pessoas que já te conheciam, será que há a possibilidade real de recomeço? Cabe a cada um fazer seu julgamento.
Revisado por Gabriel Batista
“Filhos do Mangue” estreia nos cinemas em 17 de julho. Confira o trailer:
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