O preconceito literário com as fanfics
Apesar da popularidade das fanfics, textos escritos por fãs com base em livros, filmes, séries ou produções culturais já existentes, o gênero ainda enfrenta resistência por grande parte da academia brasileira. Mesmo com a recorrência de fenômenos globais que surgiram nos fóruns de fanfics online, como “Cinquenta Tons de Cinza”, escrito por E. L. James e baseado na obra “Crepúsculo”, de Stephenie Meyer, ou “Instrumentos Mortais” da autora Cassandra Clare, que foi originalmente concebido como uma fanfic da saga Harry Potter, a ideia vigente para a maioria da elite intelectual brasileira é que fanfics não têm valor cultural.
Foi pensando em combater esse preconceito literário e em disponibilizar um espaço colaborativo de escrita criativa livre que a Professora Dr. Raquel Abreu-Aoki se propôs a ofertar uma disciplina sobre fanfics na Universidade Federal de Minas Gerais. As alunas realizaram pesquisas formais sobre a história do gênero e puderam concluir que as fanfictions iniciam-se formalmente com as fanzines de Star Trek nos anos 90, mas que também podem abarcar obras como a Eneida de Virgílio ou como Paraíso Perdido de John Milton, uma vez que elas também se baseiam em produções anteriores. Nas palavras da professora idealizadora desse projeto:
“Fics também cumprem um forte papel de preenchimento das lacunas existentes no âmbito representacional das figuras da sociedade múltipla em que vivemos. Suas manifestações têm se voltado para temas esquecidos pelas “literaturas canônicas”(…) Esse gênero é relevante não apenas por dar vazão à criatividade, mas também como difusor de questões socioculturais peculiares às minorias marginalizadas e que antes eram retratadas de forma precária ou replicada pela literatura tradicional. Sendo assim, garante–se um certo espaço e alcance aos ficwriters, conferindo–lhes maior visibilidade e representatividade”.
Evento de lançamento
Portanto, o desafio proposto a esse coletivo majoritariamente feminino foi dar voz à Capitu, personagem do livro “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Para integrar a coletânea, o texto deveria não só colocar Capitu como protagonista, mas reimaginar sua dinâmica com Bentinho e Escobar em diversas situações. Dentre os textos publicados é possível ver Capitu amante, assassina e vítima, em contextos tão diversos quanto viagens no tempo, tribos indígenas e festas juninas.
Lançado como e-book em 2022, através do site da Professora Dra. Ana Elisa Ribeiro, o livro recebeu versão impressa em 2024 e contou com um evento de lançamento no Borda Bar em Belo Horizonte na última quinta-feira, 03 de Outubro. As autoras puderam convidar amigos e familiares para uma noite de autógrafos e, depois de um longo período de produção prorrogado pela pandemia, ter em mãos o livro “Ecos de Capitu”, publicado pela Editora Abelhas, a qual pertence a uma ex-aluna da UFMG e que tem como objetivo estimular a produção literária local de maneira mais acessível.
O livro não só demonstra a “ascensão da figura do leitor-criador”, como é descrito no texto de apresentação, mas também reforça a importância de abrirmos espaços para os movimentos populares nas universidades. “Ecos de Capitu” resgata a relevância de um clássico da literatura brasileira e dá a oportunidade para novas autoras serem ouvidas.
Confira as fotos do evento abaixo e acesse o e-book gratuitamente aqui.