A pesquisadora, professora, escritora e ativista australiana Dale Spender dedicou grande parte de sua trajetória acadêmica ao estudo do feminismo. O livro Man Made Language, baseado na sua pesquisa de doutorado, tem como principal foco a análise contemporânea do sexismo na linguagem e de suas influências políticas, sociais e culturais nas sociedades patriarcais. Nessa obra, uma de suas citações mais famosas é utilizada até os dias de hoje:
“O feminismo não travou nenhuma guerra. Não matou nenhum oponente. Não criou campos de concentração, não fez inimigos passarem fome, não praticou crueldades. As suas batalhas têm sido pela educação, pelo voto, por melhores condições de trabalho… pela segurança nas ruas, pelo cuidado de crianças, pelo bem-estar social… por núcleos de apoio a vítimas de estupro, refúgios para mulheres, reformas nas leis. Se alguém diz: ‘Ah, não sou feminista!’, eu pergunto: ‘Por quê? Qual é o seu problema?’”
A partir desse trecho, pode-se estabelecer uma série de reflexões que dialoga com a proposta do primeiro livro da bibliotecária, bancária licenciada, ativista e atual deputada federal Fernanda Melchionna pelo PSOL do Rio Grande do Sul: “Tudo é feminismo?: Uma visão sobre histórias, lutas e mulheres”, lançado em 2023, pela Editora de Cultura.
É pertinente salientar, inicialmente, que o caminho para desconstruir ‘pré-conceitos’ e estigmas sempre foi e sempre será o conhecimento, pois ele favorece a ampliação da capacidade de compreensão e da consciência crítica. Sabe-se que o termo feminismo ainda provoca ojeriza num segmento da sociedade, em especial naquele mais conservador e reacionário, acabando por afastar qualquer possibilidade de diálogo. Em alguns casos é visto, inclusive, como ameaça tanto à estrutura do poder patriarcal quanto a conceitos tantas vezes internalizados.
“É evidente que o feminismo não é o contrário do machismo, pois estamos falando de uma estrutura de dominação política, social e cultural que foi se assentando ao longo dos séculos de dominação das mulheres, controlando a sua sexualidade e a reprodução social da vida, e delegando papéis inferiorizados a nós, que somos metade da humanidade. Mesmo hoje, com tantas lutas e avanços da consciência e da organização das próprias mulheres, essa dominação ainda é sentida, mantida e reproduzida com novas narrativas, sustentando a mesma premissa de divisão sexual do trabalho, que tanto prejuízo traz para as mulheres e para a humanidade.” (MELCHIONNA, 2023, p. 12)
Cabe lembrar, no entanto, que, atualmente, aquilo que é estabelecido como um direito, por exemplo, o voto feminino, só foi possível e conquistado por meio de incontáveis lutas e reivindicações feitas por mulheres. Por isso, é necessário reafirmar o quanto as primeiras manifestações feministas foram importantes e como o feminismo continua sendo indispensável para alcançar uma sociedade mais justa e igualitária.
É isso que a obra de Melchionna vai demonstrar ao longo do seu desenvolvimento. A autora revisita questões filosóficas, sociológicas, políticas e culturais até as discussões da contemporaneidade. Para isso, apresenta um histórico do feminismo e reflete sobre diversos aspectos como as suas diferentes manifestações, a convenção de ondas, explicando as várias vertentes e correntes de pensamento com suas problematizações e críticas. Aborda, ainda, as contribuições de vários estudos de pesquisadoras/escritoras, as atuações e as organizações das mulheres durante o período das ditaduras latino-americanas, assim como as lutas e outros movimentos recentes no Brasil e em diversos países, destacando pautas necessárias e urgentes como o assédio, a violência e o feminicídio.
Figuras relevantes e/ou percursoras nesse cenário são citadas, como Silvia Federici, Gerda Lerner, Olympe de Gouges, Mary Wollstonecraft (mãe da escritora Mary Shelley, autora do clássico Frankenstein), Simone de Beauvoir, Clara Zetkin (que propôs a criação do Dia Internacional da Mulher), Rosa de Luxemburgo, Sojourner Truth e muitas outras. No Brasil, os principais nomes evidenciados são de Nísia Floresta Brasileira Augusta e Bertha Lutz, bem como aquelas que foram pioneiras na política como a professora potiguar Celina Guimarães Viana (primeira eleitora inscrita no estado e no país), Alzira Solano (primeira prefeita eleita em Lajes -RN), Antonieta de Barros (primeira mulher negra a ser eleita deputada estadual em SC) e outras. Há, também, estudiosas contemporâneas como Heloísa Buarque de Holanda, Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Ângela Davis e bell hooks.
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Ao longo do livro e, principalmente de forma mais detalhada ao final, há sugestões de livros, artigos, títulos de filmes, séries e documentários que colaboram para aprofundar o estudo do tema como, por exemplo, As sufragistas, O sorriso de Monalisa, Frida, Que horas ela volta?, Libertem Angela Davis, The Handmade’s Tale, entre outros.
Durante muito tempo, o apagamento, a invisibilidade e o preconceito mantiveram predominantemente a visão na perspectiva masculina, dificultando, muitas vezes, o acesso aos registros e, consequentemente, a divulgação da História, incluindo os materiais escritos por mulheres. Assim, torna-se essencial essa iniciativa de “desvendar uma história de lutas e de apagamentos dessas lutas”, bem como a indicação de obras para leitura e aprofundamento.
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Além disso, o livro é extremamente didático, apresentando explicações extras e nomes que dificilmente aparecem no ambiente e livros escolares, e fundamental não só para o público feminino, mas também para os homens que querem compreender mais sobre o assunto e se unir à luta.
“[…] o feminismo é a negação do machismo, é a busca por romper e revolucionar o sistema político e social do patriarcado e suas expressões na vida cotidiana, como o machismo e a misoginia. É uma resposta necessária para fornecer às mulheres instrumentos voltados ao enfrentamento do senso comum e à conquista de mais aliados homens para nossa luta.” (MELCHIONNA, 2023, p. 13)
Por fim, ‘Tudo isso é feminismo?‘ tem a finalidade, sobretudo, de desmistificar a temática e de reforçar que o feminismo ainda precisa ser expandido e cada vez mais fortalecido, porém, sem dúvida, sua existência se deve a mulheres precedentes que, em busca de melhores condições dentro da sociedade, ousaram e desafiaram os limites impostos pelo seu próprio tempo.
Especificações:
Autora: Fernanda Melchionna
Editora: Cultura
Gênero: Não ficção
Páginas: 216
ISBN: 9786557480526
Formato: 12 x 18
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