Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, é o livro sensação da literatura brasileira dos últimos anos. Mas será que o livro é tudo isso? Merece ter o sucesso de crítica e vendas que tem?
O NotaTerapia separou 5 fatos sobre o livro. Confira:
1- Torto Arado é bem contemporâneo
Dizer que Torto Arado é contemporâneo pode ser um elogio, mas também pode ser uma crítica. Muito se pensa na filosofia sobre o conceito de contemporâneo. A ideia é tentar entender o que faz uma coisa ser “contemporânea” em relação a um tempo ou a alguma coisa. Para Giorgio Agamben, ser contemporâneo é ser uma sombra no tempo, como se ele revelasse algo que ninguém estivesse vendo naquele momento histórico. Algo que lança luz. Já para o senso comum, o contemporâneo seria aquilo que “representa” o seu tempo.
Neste sentido, Torto Arado é bastante contemporâneo. Ele expressa as principais demandas de discussão sociais e política da segunda década do século XXI. Entre elas, a nacessidade de se repensar os efeitos da escravidão na sociedade, as desigualdades de gênero, as religiões de matriz africana, entre outros assuntos.
Pautado em um neo-regionalismo, Itamar reescreve realisticamente a tomada de consciência de uma população oprimida através da figura das irmãs. Inclusive, materializa em uma das delas o silenciamento histórico ao colocar a mudez como tema central, após um acidente com uma faca.
Assim, podemos considerar Torto Arado uma obra absolutamente coerente com seu tempo e retratando as principais demandas dele. Faz isso com maestria, mas imerso nas demandas deste tempo. Se ele vai sobreviver em outros tempos, isto, apenas o futuro dirá.
2- Itamar Vieira Júnior é um grande escritor
Muita gente acaba criticando o livro simplesmente pelo sucesso que ele faz. Eu fiz isso também e é normal em um mundo capitalista, a gente reagir a quantidade de propaganda que recebemos. Porém, sem dúvida, Itamar é um dos grandes escritores da atualidade. Ele escreve com sensibilidade, mas sem pieguismo, sobre as mazelas de uma população que foi silenciada na perpetuação do sistema escravocrata na vida dos negros do Brasil mesmo depois do fim da escravidão.
Ele escreve como quem tem o cuidado necessário de ir dosando o teor crítico com o teor lírico-poético, às vezes pendendo para um lado, às vezes para outro. Com um controle da própria linguagem e domínio da história, Itamar não se deixar dominar pela narrativa, ao mesmo tempo que não tenta segurá-la pelas rédeas. O livro mostra um escritor na maturidade da sua escrita e uma referência para o nosso tempo.
3- Merecia ser premiado
O livro recebeu três dos principais prêmios literários do Brasil: Além do Prémio Leya, venceu também importantes competições como o Prêmio Jabuti 2020 e o Prêmio Oceanos 2020. Isso significaria receber o Oscar e o Globo de Ouro ao mesmo tempo ou o Nobel e o Camões, o que é muita coisa.
E é impossível dizer que Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, não merece os prêmios que têm. Primeiro, porque podemos ver os desdobramentos da obra, revelando uma série de outros autores cuja visibilidade no mercado literário vieram a reboque da publicação, como Jefferson Tenório, Paulliny Tort e José Falero. Não que estes outros escrevam sobre os mesmos temas, mas o sucesso de Itamar abriu as portas para uma nova geração de escritores nacionais que refletem sobre as questões minoritárias brasileiras.
Torto Arado foi muito comparado com Vidas Secas. Embora eu ache a comparação não muito correta, creio que uma coisa nela é real: alguma coisa acontece após Torto Arado na literatura brasileira. O quê ainda não sabemos, mas é uma transformação que já está em processo. Nisto, podemos fazer comparações com Vidas Secas: a obra chama atenção para aqueles que vivem nas margens de nossa sociedade e com uma qualidade que abre uma nova frente literária.
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4- Torto Arado é bom, mas menos bom do que dizem
Torto Arado é um livro incrível, mas acredito que parte dos elogios que recebe do público em geral faz parte de um movimento muito impulsionado pela propaganda e pela vitória dos prêmios. Isso faz com que as pessoas tenham uma percepção do livro aumentada, quase como se não se pudesse contestar sua qualidade. Considero exacerbada a ideia de que Torto Arado já nasce clássico e já está no hall dos grandes como Guimarães Rosa ou Graciliano Ramos. Vamos dar tempo ao tempo.
É bom, mas menos bom. Se ele se perpetuará, como disse, só o tempo dirá. Que é importante para a literatura nacional, para o mercado livreiro e para as editoras menores, sem dúvida.
5- Retomando o regionalismo social
O regionalismo social é uma característica bem marcante de nossa literatura. Esta foi uma referência que vem de José de Alencar com obras tanto sobre o nordeste como Iracema, quanto com o sul do país como O Gaúcho. Esta forma realista – embora Alencar fosse um romântico – de retratar a vida de minorias que representam a diversidade da nação brasileira através da população oprimida – foi muito comum no começo do século XX. Desde o já falado Vidas Secas, de Graciliano Ramos, como obras de Autran Dourado, Assis Brasil, José J. Veiga, Antônio Callado, entre outros.
Esse modo de pensar a nacionalidade a partir da região durante décadas ficou escondido por uma literatura mais urbana, mais voltada pros temas das metrópoles com autores como Michel Laub, Luiz Ruffato, Lourenço Mutarelli. Com Torto Arado, Itamar parece retomar essa tradição, reabrindo uma nova frente do chamado “neo-regeonalismo social” brasileiro.
3 comentários
Muito boa a avaliação do romance Torto Arado. É um livro bem escrito, sensível, mas daí já ser considerado um clássico vai um exagero. Gostei da coragem do Luiz de pontuar isso.
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