Em 2019, a Estação Primeira de Mangueira entrou na Marquês de Sapucaí cantando:
“Brasil, chegou a vez
De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”
O enredo “História pra ninar gente grande” fez uma narrativa de “páginas ausentes” da história do Brasil e com ele levou o Carnaval do Rio de Janeiro daquele ano.

Na mesma linha, Maria Nivalda decidiu contar a história de Maria, apenas Maria mesmo. Não apenas dela, na verdade, mas também de outras Marias: Maria do Carmo, Maria José, Maria de Lourdes, Maria Luiza…o Grupo das Marias.
Escolhas e Destinos, publicado pela editora Viseu, alterna o passado e o presente de Maria, a protagonista, em 46 capítulos curtos. O romance começa em 2021 e a última lembrança de Maria é de ter passado alguns dias no hospital. Agora, ela é conduzida ao Grupo composto por outras mulheres, que assim como ela, estão na casa dos 70 anos. São oito Marias que não sabem exatamente onde estão e nem o porquê, mas que naquele espaço-tempo são convidadas a repensar e a reavaliar suas vidas.
A história de Maria começa a ser contada a partir de 1968, quando, já grávida do segundo filho, ela, o marido e o filho pequeno deixaram a roça no interior de Minas Gerais para trás em busca de mais e melhores oportunidades. O destino era o interior de São Paulo, onde a família do marido já estava estabelecida.
As coisas, entretanto, não saíram exatamente como o esperado. A deficiência do filho mais velho, resultado de uma poliomielite, e problemas conjugais que culminaram em divórcio em uma época que a separação não era comum, forçaram Maria a repensar suas escolhas e valores, e a buscar outros caminhos, principalmente, através da independência financeira.
Citando sem citar Virginia Woolf, a mãe de Maria já dizia:
“— Sempre falo com minhas filhas que mulher tem que ter profissão, tem que trabalhar, ter seu próprio dinheiro.”
Para isso, ela enfrentou desafios pessoais e sociais que fizeram parte da vida de mulheres por décadas, mas também redescobriu o amor, principalmente por si.
Maria teve receio e esperança em um contexto de medo e violência. Era ditadura. Aqui e ali pessoas eram interrogadas, desapareciam. E às mulheres, como sempre, eram reservados os lugares da cozinha e do silêncio. Ou seja, há na narrativa as escolhas individuais e suas consequências, mas ao mesmo tempo Nivalda lança luz no contexto histórico e social e em como o coletivo impacta o pessoal.
Nesses trechos do passado, ela utiliza a terceira pessoa, opção que faz com que o relato pareça um filme passando para a protagonista e ao qual assistimos em conjunto.
A partir do presente, em 2021, Maria reflete sobre o quão silenciada foi ao longo de sua trajetória. Nessas passagens, Nivalda opta pela primeira pessoa:
“Eu me lembro de quantas vezes quis dar minha opinião, mas não fui ouvida; de ter aprendido desde criança que mulher deveria ser a conciliadora, a rainha do lar. (…) Nós deveríamos esperar, ouvir, servir e não ter opinião.”
Mas ela não é a única. Outras Marias relembram os sofrimentos e desafios que enfrentaram no mesmo período. Agressões físicas. Humilhações. Abandono. Preconceito.
Contudo, algumas mulheres do grupo ainda estão apegadas a dogmas do passado e um verdadeiro embate de Marias tem início, no que entra Madalena, mediadora do grupo, e que funciona também como uma figura didática através de discursos reflexivos sobre a condição da mulher na sociedade machista que nos cerca. Maria, inclusive, compara as falas de Madalena a um sermão religioso, “só que um pouco diferente do que ouvimos nas igrejas, pois não nos pede para ser submissas e nem aumenta nossa culpa.”:
“— Nascemos em ambientes que nos antecedem, que já existiam antes de nós, caímos no meio de regras, valores, erros e acertos e poucas vezes paramos para pensar em suas funções.”
“— Então, é disso que estou falando. Todas vocês ouviram essas vozes ao longo de toda a vida. Vozes que vieram de muitas pessoas e de situações diferentes. Aprendemos que aquilo era o certo e repetimos, repetimos sem pensar. Para algumas mulheres, foi mais tranquilo obedecer. Para muitas outras, a situação era diferente — fala Madalena.”
Ao acompanhar a vida de Maria e todos os demais relatos, é impossível não pensar nas que vieram antes e abriram caminhos. Isso é latente no texto da Nivalda. Em uma determinada passagem, bem no início da narrativa, com Maria refletindo sobre a decisão de sair da roça, ela pensa:
“Ainda que talvez eu não pudesse conseguir o que desejava para mim, garantiria a formação de meus filhos. Eles teriam as oportunidades que eu não tive. Minhas filhas seriam mais livres.”
Escolhas e Destinos é um livro sobre o que perdemos no caminho, mas é também sobre o que ganhamos ao nos unirmos, principalmente nós, mulheres, afinal, “Na luta é que a gente se encontra”.
Sobre a autora:

Maria Nivalda nasceu em São João del Rei, Minas Gerais, em 1965. É professora universitária aposentada, com formação em Psicologia pela UFSJ; doutorado em Administração pela UFMG, com tese sobre inclusão no trabalho de pessoas com deficiência; e pós-doutorado em Psicologia pela University of Greenwich, Inglaterra, com pesquisa sobre contato intergrupal e preconceito. Suas publicações científicas são consideradas referências importantes nos estudos sobre inclusão/exclusão. Escolhas e Destinos é seu primeiro texto ficcional.

