O motel possui um encanto particular, tanto para quem frequenta quanto para quem nunca foi. Os habitués conseguem um espaço para expressar os seus desejos com mais liberdade, ou para criar uma separação entre a vida sexual e a vida “normal”, já para os não frequentadores, o apelo ainda existe, na forma de mistério, nas possibilidades que existem no interior dos muros dessa instituição simultaneamente comum e exótica.
Eros, de Rachel Daisy Ellis, se propõe a ser justamente esse olhar do interior dessas entidades tão presentes nas nossas vidas, mas tratadas como segredo. O filme mostra as vivências de pessoas do Brasil inteiro nos quartos de motel. A obra funciona numa espécie de coautoria de direção com os seus personagens, visto que a diretora forneceu os equipamentos para os mesmos, que gravaram as suas intimidades da maneira que quiseram.

Assim, as cenas vão desde o uso mais “comum” do quarto, com casais transando, até outras pouco usuais, como um homem que contrata uma garota de programa não para sexo, mas para conversar, desenterrar coisas do seu passado que ele não consegue fazer sozinho. Dado momento, a garota de programa assume a câmera enquanto o homem dorme, e fala que isso é muito comum, ser contratada por pessoas que só querem conversar.
Apesar do assunto evidentemente sexual, Eros é raramente erótico. As cenas de sexo — surpreendentemente esparsas — contém certa banalidade, acontecendo entre um diálogo e outro. Enquanto uma mulher atende o telefone do quarto, ela brinca com o pênis de seu par, outro casal transa e logo em seguida janta. No motel, sexo não existe como algo a parte, está logo ali ao lado de outras atividades.
Leia também: Soldados da Borracha (2019) homenageia heróis brasileiros anônimos da Segunda Guerra Mundial
É fascinante observar a variedade de reflexões que os personagens apresentam nesse cenário. É inegável que a presença da câmera muda a naturalidade da situação, mas a possibilidade da performance não diminui a força de certas cenas. Um casal, por exemplo, é composto por uma mulher trans com um homem cis. Enquanto ele descansa, ela leva a câmera para o banheiro e conta sua história, cheia de amor e dor. Esse momento surgiria sem a câmera? É provável que não, mas não deixa de ser simbólico que ela escolha fazer isso diante de uma lente. Sexo, em certo grau, também é atuação, e o dispositivo narrativo de Eros permite que isso vá para outros caminhos, não somente o da transa.

Me parece sintomático que a última cena de Eros seja exatamente isso, uma performance de um homem solitário. Nu, ele declama poesias para a câmera e explora o espaço ao seu redor com uma intensidade teatral. É uma atitude destoante, não pela atuação em si — uma cena anterior mostrava um trisal construindo uma cena para realizar um fetiche — mas pela solidão, e também pela liberdade que o personagem se permite. Motel é para transar, sem dúvida, mas também é um espaço para se encontrar, seja diante da solitude ou a partir da conexão com o outro, que tanto pode ser um parceiro de longa data quanto uma desconhecida que, por breves momentos, se torna uma confidente.
Assim, o filme de Daisy Ellis desmistifica um pouco a ideia do motel, mas sem tirar sua aura, justamente por evidenciar o que há de humano por trás daquelas portas. Lá dentro como aqui fora, a busca é por conexão, seja na forma de terapia com uma prostituta, ou em uma intensa sessão de BDSM.