O escritor e crítico literário britânico Jude Cook prepara o lançamento da Conduit Books, uma editora independente que se propõe a preencher uma lacuna pouquíssimo explorada do mercado editorial: a publicação exclusiva de livros escritos por homens (contém ironia).
Segundo Cook, o cenário editorial mudou “drasticamente” nos últimos 15 anos como reação à “cena literária tóxica e dominada por homens” dos anos 80, 90 e 2000. Agora, a nova ficção literária estaria sendo escrita por mulheres, encabeçadas por Sally Rooney e outras, dando origem a uma situação na qual histórias de novos autores homens estariam sendo frequentemente ignoradas, com uma percepção de que a voz masculina é problemática.

Essas “narrativas negligenciadas”, segundo ele, abordam paternidade, masculinidade, experiências masculinas da classe trabalhadora, sexo, relacionamentos e etc — “exatamente as narrativas” que a Conduit espera publicar.
Cook destaca que as conversas sobre masculinidade tóxica que emergiram (ao grande público – grifo meu) após a segunda eleição de Donald Trump e a série ‘Adolescente’ da Netflix, evidencia uma preocupação com o que os jovens estão lendo. E aqui entra o escritor Scott Preston, cujo livro foi selecionado para o prêmio de jovens escritores do Sunday Times deste ano: “a questão do por que os meninos não leem e depois se tornam homens que não leem é um grande tópico agora, com a próxima geração deles fervendo de raiva online, mas é uma pergunta que ouço há muito tempo.
Os temas e tópicos que atraem os homens, especialmente os da classe trabalhadora, podem às vezes ser descartados como pouco sérios ou pouco desenvolvidos. Uma editora disposta a abordar isso é um bom começo, mas a parte difícil será reunir um público de leitores que foram negligenciados.”
Ou seja, o mercado editorial historicamente formado por homens para homens não estaria mais atendendo a esses jovens e por isso eles estariam sendo cooptados com mais facilidade pelo discurso de ódio online?
Ross Barkan, outro autor, branco e heterossexual de 35 anos, e que tem escrito sobre como hoje existem menos autores jovens do que no passado, enxerga esse momento da literatura como uma virada de mesa a favor das mulheres, que por séculos ficaram em segundo plano. Porém, alguém sempre sai perdendo, segundo ele.
Nas palavras dele: “As mulheres estavam perdendo; agora os homens estão. Só que não há consolo oferecido ao jovem de 26 anos que tem que pagar pelos pecados do passado”.
Barkan, contudo, afirma isso ser só “uma observação de tendência” já que, no mundo real, o homem continua com um “privilégio enorme”.
Cook, apesar de afirmar que “nunca houve uma editora independente que defendesse a ficção literária escrita por homens”, essas vozes TÃO silenciadas, diz não buscar uma postura adversária, destacando, inclusive, a não exclusão de autores negros, queer, não binários, neurodivergentes e mostrando-se até aberto a publicação de ficção literária escrita por mulheres no futuro.
Trazendo dados para discussão, em 2020, no Reino Unido, 629 dos 1.000 títulos de ficção mais vendidos de 2020 foram escritos por mulheres. Dentro da categoria “ficção geral e literária”, 75% foram de autoras mulheres. À época, o consenso geral era que os jovens escritores do sexo masculino teriam desistido da ficção literária, vendo mais possibilidades na não ficção, na ficção policial ou na ficção científica, onde tendem a ser maioria.
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No Brasil, dados de 2017, revelaram que mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras entre 1965 e 2014 foram escritos por homens e que 90% das obras literárias foram escritas por brancos e pelo menos a metade dos autores é originária do eixo Rio de Janeiro/São Paulo.
A questão levantada talvez esteja menos nos números e mais no alarde.
“Basta que uma mulher negra ganhe o prêmio Booker para que seja o fim da cultura para algumas pessoas”, afirmou em entrevista o escritor britânico Sam Byers. “As mulheres e as pessoas negras têm sido sub-representados na ficção há décadas e isso não é resolvido. Mas as pessoas sentem o cheiro de que os homens podem estar sub-representados por um ano sequer e é muito urgente que façamos algo a respeito. Será que essa é uma preocupação genuína ou se trata da cultura dominante se reafirmando quando se sente ameaçada?”, completa.
Como disse Karolina Sutton, agente literária britânica, as pessoas sempre leram literatura escrita por homens e isso não vai mudar, mas o que “mudou radicalmente” foi o espaço literário no qual eles estão emergindo. Seu status não parece mais dominante.
“O desafio deles é surpreender os leitores com novas perspectivas”, diz ela, “o que está acontecendo e continuará a acontecer, porque a literatura e a cultura não param”.
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