A base de A Lenda de Ochi é conhecida. Criança conhece uma criatura fantástica que é temida pela sociedade que os cerca. Aos trancos e barrancos, um laço interespécies é criado, desafiando todas as convenções sociais e, juntos, deverão lutar pela segurança um do outro. O filme debute do diretor e roteirista Isaiah Saxon segue muito bem o caminho narrativo traçado por obras como E.T – O Extraterreste, e não bastasse a similaridade narrativa, há até mesmo algumas imagens bem parecidas.
Mas não se trata de uma simples releitura da emblemática obra de Spielberg, pois fora o aspecto geral da trama, A Lenda de Ochi me remete muito mais a um filme de Wes Anderson, não só pela presença de Willem Dafoe, colaborador frequente do diretor, mas também por abraçar a artificialidade do seu universo, com os cenários frequentemente parecendo dioramas, cujo aspecto de quadro parece enfatizar, priorizando uma certa verticalidade da perspectiva. Há também um certo humor seco, típico do estilo de Anderson.

Outra aproximação é o uso da técnica de stop-motion. Aqui, atores de carne e osso compartilham o set com as criaturas do título, animadas inteiramente com a técnica. Supostamente, sem o uso de CGI. O uso do método revela uma intenção de se valer de técnicas “antiquadas” em um filme que, apropriadamente, se assemelha muito às obra dos anos 80.
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“Antiquado” também é certo impulso de não ter medo de mostrar certas coisas que muitos podem não considerar adequado para um filme infantil. Não há nada que vá criar traumas como a morte de Mufasa do Rei Leão original, mas A Lenda de Ochi abre com uma cena digna de filme de guerra. Soldados infantis, liderados pelo personagem de Dafoe,Maxim, marcham pela floresta usando rifles de alto calibre. A violência logo estoura, com as crianças atirando para matar contra os ochis, seres que eles acreditam serem malignos. Chamas consomem as árvores, e luz, sombra e movimento conferem uma intensidade violenta raramente vista em filmes do tipo.
Mas passado essa abertura, o longa parece interessado em estudar a curiosidade pura e simples como método para se encontrar no mundo. É simbólico que Maxim tenha construído sua visão negativa dos seres sem devidamente entendê-los, e que a protagonista, sua filha Yuri (Helena Zengel), confronta essa visão simplesmente agindo de modo mais observador diante do ochi que encontra preso em uma armadilha.

É marcante também que o momento que firma o elo entre a protagonista e a criatura se dê diante da curiosidade de Ochi diante de uma lagarta, que Yuri coloca em seu dedo, e Saxon faz referência à famosa cena do tocar de dedos em E.T, motivados não só pelo encantamento e estranhamento entre as partes, mas também por uma forma de olhar o mundo. Em oposição, conforme o filme progride, é revelado o quanto Maxim não sabe sobre o mundo e sobre sua própria filha, posicionando seu ódio pelas criaturas como um desinteresse não só sobre o mundo, mas também em relação às pessoas mais próximas.
Assim, A Lenda de Ochi, mesmo seguindo um caminho já bem conhecido, se destaca não só belos belos visuais, mas por uma mensagem emocionalmente madura, mesmo que a trama não seja muito profunda, mas só da narrativa se permitir parar e olhar ao redor, e com frequência, já tem o seu mérito diante de tempos tão acelerados.
Revisado por Letícia Magalhães