A velejadora e escritora Tamara Klink participou da série “Coleção de Livros”, publicada pelo Estadão, e apresentou a biblioteca da sua família, onde convivem livros técnicos sobre navegação e clássicos da literatura mundial. Durante a entrevista, ela destacou obras que leu em diferentes momentos, incluindo o período de invernagem no Ártico, e relacionou essas leituras com experiências pessoais e familiares. Confira alguns livros dessa lista:
La longue route, de Bernard Moitessier

Entre as obras que moldaram sua trajetória, destaca-se La longue route, de Bernard Moitessier, lido no idioma original após Tamara aprender francês especialmente para compreendê-lo. A obra narra a viagem do navegador que, no meio de uma competição de volta ao mundo, decide abandonar a corrida e seguir seu próprio rumo até o Taiti. Segundo Tamara, “o livro também funcionou como um elo entre navegadores experientes nos portos franceses.”esse livro foi importante não só pra saber a história ou para me inspirar, mas para comprar o barco e fazer amigos nos portos, porque todos os navegadores com mais de 50 anos na França já leram esse livro e gostam muito”.
Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa

Publicado originalmente em 1956, Grande sertão: veredas , de João Guimarães Rosa, revolucionou o cânone brasileiro e segue despertando o interesse de renovadas gerações de leitores. Ao atribuir ao sertão mineiro sua dimensão universal, a obra é um mergulho profundo na alma humana, capaz de retratar o amor, o sofrimento, a força, a violência e a alegria. “Eu li durante o inverno na Groenlândia. Já tinha tentado ler muitas vezes, o primeiro, o segundo terço… Mas lá na invernagem eu tinha, finalmente, muito tempo pra ler. Então eu enfrentei o Grande Sertão, que é o meu livro preferido, acho que todo mundo devia ler. Só que, infelizmente, eu não tinha uma edição física, então me contentei com um arquivo em PDF do celular.”
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Nós, de Tamara Klink

Sim, Tamara chegou, ainda, a ler seu próprio livro. Segundo ela, a experiência não foi tão agradável. “Eu começava a achar todos os defeitos, “não deveria ter escrito assim, devia ter escrito de outro jeito…”. Em 2021, em plena pandemia, a navegadora Tamara Klink partiu da França com o objetivo de chegar até a costa brasileira pelo mar. Nessa empreitada ambiciosa, contou apenas com a companhia permanente de seu caderno e do barco, Sardinha. À distância, teve o apoio (e também a preocupação) constante da família, dos amigos, de Henrique — conselheiro de primeira hora —, e dos admiradores nas redes sociais, que seguiram a viagem praticamente em tempo real.
Em meio a vitórias, fracassos, temores e desvios de percurso, este livro nos convida a embarcar numa jornada corajosa, feita de deslocamentos físicos, mas sobretudo de impressionantes superações psicológicas.
Knulp: Três histórias da vida de um andarilho, de Hermann Hesse

A rotina solitária no Ártico também abriu espaço para obras filosóficas e existenciais. Entre elas, Knulp, de Hermann Hesse, uma coletânea sobre um andarilho solitário, lida anualmente por Tamara. O livro reúne três histórias sobre a vida do andarilho Knulp, figura central que simboliza a liberdade individual e a recusa em seguir as normas sociais. Viajando de cidade em cidade na Alemanha do final do século XIX, Knulp vive de maneira desapegada, hospedando-se com conhecidos e evitando vínculos duradouros. Mesmo sendo criticado por desperdiçar seu talento e saúde, ele se mantém fiel ao estilo de vida errante e à busca por pequenos prazeres. O personagem, ao mesmo tempo livre e questionador, representa uma crítica à sociedade que não acolhe pessoas fora dos padrões estabelecidos. Hermann Hesse utiliza Knulp para refletir sobre temas como identidade, autonomia e os limites impostos pelo meio social.
Escute as feras, de Nastassja Martin

“Tive muita sorte de participar de uma mesa com a Nastassja na Flip [Festa Literária Internacional de Paraty]. E inclusive pedir algumas dicas. Esse foi um livro que me marcou bastante. Por coincidência, recebi de presente de muitas amigas.” Estudiosa do Grande Norte subártico, a antropóloga francesa Nastassja Martin viaja à Rússia em busca de famílias do povo even que, tomando distância da civilização pós-soviética, preferem voltar a viver no coração das florestas siberianas. A rotina do trabalho de campo vai avançando como quer a disciplina etnográfica, mas algo mais parece estar em gestação, alguma coisa que por fim eclode na forma de um terrível incidente entre a antropóloga e um urso. É a partir desse acontecimento inesperado e dilacerante que Martin tece a trama de Escute as feras, em que a experiência vivida nutre uma reflexão vertiginosa sobre o humano e o natural, a identidade e a fronteira, o tempo do mito e a história contemporânea.
Assim falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche

Tamara também comentou sobre Assim falou Zaratustra, de Friedrich Nietzsche, e estabeleceu paralelos entre a narrativa e a experiência de isolamento que vivenciou. No livro, o personagem principal passa anos em um local afastado antes de retornar à sociedade, o que levou Tamara a refletir sobre a própria situação de estar sozinha. “É engraçado porque no início do livro, o autor conta a história de um homem que viveu 12 anos no alto de uma casa, de uma montanha, e desceu para a sociedade para falar a sua palavra para as pessoas. E aí eu pensava: ‘Nossa, ele ficou 12 anos sozinho. Como deve ser?’ E aí eu lembrei: ‘Calma, eu estou totalmente sozinha’. Às vezes, eu nem lembrava mais disso. Às vezes eu tinha a sensação de ter alguém lá comigo. Alguém invisível, que não falava, que não reagia, mas que estava lá.”
Le Grande Hiver, de Sally Poncet

Le Grand Hiver, de Sally Poncet, também foi citado. A obra trata de uma expedição à Antártida feita por um casal em um barco pequeno. Durante a viagem, a personagem principal descobre que está grávida. “Conta a expedição de Sally e Jérôme Poncet à Antártida, num momento em que a região era vista como um lugar muito inacessível. Só quem ia até lá eram cientistas. Era muito raro ir por prazer.” Tamara mencionou que esse livro influenciou seu pai, o navegador Amyr Klink, a realizar sua própria invernagem.
Paratii: Entre dois polos, de Amyr Klink

Durante sua estadia no Ártico, Tamara releu Paratii: entre dois pólos, livro escrito por seu pai. Ela observou semelhanças entre os fenômenos descritos na obra e as situações que presenciou. Depois de cruzar o Atlântico em um minúsculo barco a remo – travessia relatada em Cem dias entre céu e mar -, Amyr Klink lançou-se em seu próximo projeto: passar um ano inteiro na Antártica, dos quais seis meses imobilizado no gelo, em companhia apenas de pinguins e leões-marinhos. Para realizar esse sonho, partiu no final de 1989 no veleiro Paratii para uma viagem que iria durar 22 meses. Navegando solitário por mais de 50 000 quilômetros, alcançou não apenas o continente gelado do Sul, mas também as geleiras do polo Norte. E Trouxe na bagagem dois punhados de pedrinhas, um da Antártica e outro do Ártico: símbolos da misteriosa matéria de que são feitos os mais belos e ousados sonhos.
‘North To The Night’, de Alvah Simon

Outro livro mencionado foi North to the Night, de Alvah Simon, que relata uma invernagem no Canadá, em local próximo ao que Tamara ficou. “É um livro que eu ganhei de um outro velejador quando eu estava lá. Depois, descobri que meu pai também tinha aqui. Ele descreve a invernagem do autor no Canadá em 1992. Ele estava a poucos quilômetros de onde eu passei o inverno, mas no lugar onde ele atracou havia muitos ursos polares. Foi uma leitura interessante, mas é uma obra que segue a linha mais tradicional da literatura de exploração, que é do elogio, da virilidade e de uma certa romantização do sofrimento, que eu não gosto.”
O Último Lugar da Terra, de Roland Huntford

Outra obra presente na biblioteca da família é O Último Lugar da Terra, de Roland Huntford, que retrata a expedição de Ernest Shackleton à Antártida. “Minha mãe [Marina Klink] também é muito aficionada por esse livro. Já leu não sei quantas vezes. E ver que meus pais gostavam dessa literatura também muito me dava vontade de gostar também.” Na obra, Roland Huntford narra a corrida ao Polo Sul entre o norueguês Roald Amundsen e o britânico Robert Falcon Scott, em 1912. Em 17 de janeiro de 1912, o oficial britânico Robert Falcon Scott alcançou o Pólo Sul, apenas para descobrir que o norueguês Roald Amundsen havia chegado um mês antes, tornando-se o primeiro a conquistar esse marco. Amundsen venceu com planejamento eficiente, enquanto Scott e sua equipe morreram na volta, exaustos e doentes. A obra desmonta o mito heroico de Scott, revelando sua má liderança, e combina pesquisa rigorosa com o drama humano de uma grande tragédia polar.
Tamara Klink também incluiu entre suas leituras diversos livros de Annie Ernaux, autora que aborda experiências pessoais em conexão com contextos sociais. A seleção de livros apresentada por Tamara Klink reflete escolhas pautadas por vivências em viagem, convivência familiar e investigação pessoal. Confira o vídeo completo aqui.
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