Primeiro, uma explicação para evitar confusão: Antonio Banderas é ator. Manuel Bandeira é escritor. Antonio Bandeira, por sua vez, é o poeta das cores, portanto, pintor – e mais reconhecido no exterior que em seu próprio país, exceto por um seleto grupo de pesquisadores e colecionadores. Isso está para mudar. Com o documentário Antonio Bandeira: o Poeta das Cores, originado numa busca do sobrinho do pintor pelo passado, todos nós tomaremos consciência de quão talentoso era este homem que, humildemente, declarava: “nunca pinto quadros, tento fazer pinturas”.
Como aconteceu com muitos artistas, Bandeira também teve seu start na infância, com uma professora que muito incentivava seus dons para o desenho e a pintura – mais um entre tantos exemplos para não deixar os mestres desistirem frente às adversidades da profissão. As árvores passam a habitar a imaginação do garoto. Mais tarde, habitariam também suas obras, incluindo aí a árvore que estaria em muitos quadros e daria título ao seu único romance: Flamboyant.
Aos 19 anos passa a fazer parte do círculo de artistas de Fortaleza. Aqui vale uma explicação didática: o Modernismo no Ceará não chegou como herança da Semana de Arte Moderna de 1922 em São Paulo, mas sim foi alimentado por artistas-operários membros do Centro Cultural de Belas-Artes (CCBA). Para ganhar a vida pintavam placas e retocavam fotografias. Para se expressarem como artistas iam além. Coexistiam com os artistas-intelectuais da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP).

Desde cedo Antonio Bandeira tem sua trajetória ligada à França. Um artista francês o incentiva a ir estudar no Rio de Janeiro, onde vende alguns de seus primeiros quadros para o cônsul da França. Recebe uma bolsa para estudar no país por 18 meses, mas lá se estabelece. Chega num país que saía de uma guerra atroz e traumática, cujos artistas estavam se recusando a representar a figura humana e rompendo com regras pré-estabelecidas na arte.
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Bandeira sempre evitou rótulos, mas de cara se mostrou abstracionista, indo na contramão do que se praticava em Paris naquela época. Logo depois fez parte de um trio chamado Banbryols, cuja existência parece não ter passado de uma influência mútua entre os artistas. Passou por outros países da Europa e até pelo Japão, expondo seus trabalhos, até que percebeu que viveria o resto da vida entre dois continentes. Quando no Brasil, via filas de compradores para quadros recém-pintados, praticamente com a tinta ainda fresca. Partindo definitivamente para a França após o golpe de 64, deu início à sua era de ouro, pintando com propósito e exatidão na escolha das cores e dos detalhes.
Mas o envolvimento com a arte não se limitou à pintura. Antonio Bandeira escrevia poemas, ilustrava livros de diversos autores e trabalhou também com cinema: fez o storyboard de um filme sobre sua vida e protagonizou “Periferia” ao lado da atriz Maria Fernanda, filha de Cecília Meirelles. Também foi assunto de “Colecionador de Crepúsculos”, filme inacabado.
Os especialistas concordam: Antonio Bandeira tinha it. Simpaticíssimo, carismático, motivo da paixão de muitas mulheres e alguns rapazes, ele acolhia artistas brasileiros em Paris e estava sempre impecável em sua arrumação, o que espelhava sua meticulosidade como pintor.

Há, perto do fim do documentário, uma possibilidade de reflexão sobre acesso às obras de arte e falsificações. Os próprios colecionadores admitem que colecionar é algo elitista, e as obras de um artista brasileiro deveriam estar acessíveis para outros brasileiros verem. Talvez por isso existam tantas falsificações, e de Antonio Bandeira ainda mais, pois muitos pensam erroneamente que seus quadros consistiam apenas em borrões desordenados. Como já narrado anteriormente, tudo era meticulosamente planejado e gerava grande exaustão mental no pintor.
Homem negro, cearense, que foi para Paris sem saber falar francês, Antonio Bandeira tem uma história de superação, mas não do tipo que os coaches gostam de explorar: do tipo que o cinema gosta de contar. Quando em uma de suas visitas ao Brasil, Antonio Bandeira narra que está fazendo um trabalho que o alimenta, “se não demasiadamente o estômago, suficientemente o espírito”. É, pois, inspiração para os artistas deste país em que é raro viver de arte, mas onde não custa nada sonhar.
“Antonio Bandeira: O Poeta das Cores” estreia em 10 de abril. Confira o trailer:
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